quinta-feira, 1 de maio de 2008

PODER REGULAMENTAR X PODER HIERÁRQUICO

Poder Hierárquico e Poder Disciplinar. Precedência versus antiguidade
Roberto Botelho


PODER HIERÁRQUICO E PODER DISCIPLINAR
precedência “versus” antigüidade



ROBERTO BOTELHO

é Major da Reserva na Polícia Militar do Estado de São Paulo; Bacharel em Ciências Jurídicas – Direito, pelas Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU; Mestre e Doutor em Direito, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP e Professor Titular nas Cadeiras de Teoria Geral do Estado, Direito Constitucional e Direito Administrativo, em Cursos de Graduação e Pós-Graduação.



O objeto e real objetivo deste estudo é o de poder fornecer ao operador do Direito, o entendimento de doutrinadores, de lexicógrafo, bem como o do legislador constitucional e infraconstitucional, sendo certo que poderá, inclusive, ser o adotado, no que respeita aos institutos da precedência e da antigüidade, em face dos Poderes Hierárquico e Disciplinar, quando com eles se deparar e para que possa, então, optar e adotar pelo caminho que seja o mais razoável, sempre que se tratar do exercício de atividade ou atribuição estatal, principalmente da judicial ou jurisdicional, que é a exercida perante a Corte Castrense, pelos Oficiais das Milícias Estaduais, que integram, por via de conseqüência, os Conselhos de Justiça – Especial ou Permanente e, também, sobre os atos de Polícia Judiciária Militar, (1) que possam estar, de forma direita ou indireta, a seu cargo.
Em face da oportunidade e, principalmente, demonstrando o quão é apaixonante este temário, há de se especificar que a regra vigente nas Justiças Especiais, no caso em exame, a Militar, é a do Juízo Hierárquico, ou seja, da presença do escabinado ou escabinato. (2)
Neste diapasão, há de se levar em conta exatamente o previsto pelos §§ 3º e 4º, do art. 7º, do Decreto-lei federal n.º 1002, de 21 de outubro de 1969 – Código de Processo Penal Militar, que assim disciplinou o assunto, senão vejamos:
“§ 3º Não sendo possível a designação de oficial de posto superior ao do indiciado, poderá ser feita a de oficial do mesmo posto, desde que mais antigo.
§ 4º Se o indiciado é oficial da reserva ou reformado, não prevalece, para a delegação, a antigüidade de posto”.
Vê-se, portanto, que quanto à delegação para o exercício dos atos de Polícia Judiciária Militar, no caso específico, para a realização e materialização do Inquérito Policial Militar – IPM, poderá ela vir a recair em Presidente que ocupe o mesmo posto do indiciado, excepcionalmente, desde que seja, no mínimo, mais antigo naquele posto; porém, a própria Norma Processual nos fornece balizamento seguro, quando o indiciado pertencer à reserva ou já estiver reformado – que, nesta última hipótese, não mais será suscetível de reversão ao serviço ativo da Corporação e, dessa forma, a tal delegação poderá, então, vir a recair em qualquer um, desde que esteja naquele posto e se encontre no serviço ativo, ou seja, no exercício de suas atividades normais.
Em assim sendo, na Justiça Militar Federal ou Estadual, perante os Conselhos de Justiça – Permanente e Especial, os juízes leigos que os compõem são, sempre, de maior grau hierárquico ou, pelo menos, mais antigos no exercício do posto, em relação ao daquele que está por ser processado e julgado para, ao final, conforme já exprimiam os romanos: “si paret, condemnato; si non paret, absolvito”.
Este, inclusive, também é o entendimento expressado por CÉLIO LOBÃO, no que se refere às prerrogativas que o militar Federal e Estadual têm, ou seja:
“... de receber tratamento compatível com o posto ou a graduação, na qualidade de indiciados ou acusados – como, por exemplo, o recolhimento do graduado à prisão adequada à sua graduação, o direito do oficial à prisão especial – e a de ter, como encarregado do inquérito, militar de posto igual ou superior, bem como a de ser processado e julgado por Conselho formado por oficiais de posto igual ou superior”. (3)
Pode-se, portanto, fixar posicionamento, no sentido de que, em face da Norma de Organização Judiciária, o fato de se poder julgar alguém, ou seja, exercer as atribuições de Juiz Militar, está presa à possibilidade de aplicação de uma norma, em regra, ampla, geral e abstrata ao caso que lhe está sendo apresentado; portanto, dizendo o Direito e aqui, na Justiça Especial que nos interessa – a Militar, onde está presente o Juízo Hierárquico que, por conseqüência, é o exteriorizado pelo fato de apenas o superior ou o oficial mais antigo poder efetivar a aplicação do Direito positivado ao caso que lhe está sendo apresentado.
Para tanto foi que, pesquisando, pudemos constatar e verificar da premente e real necessidade de trazermos à baila, por força dos entendimentos aos quais nós já nos referimos, para que, em assim sendo, possamos procurar oferecer e fixar posicionamento seguro à autoridade competente que, por ventura, esteja enfrentando alguma espécime de dificuldade, no tratar com os institutos que são e estão objetos deste estudo.
Em assim sendo é que fomos buscar, então e imediatamente, na lição do festejado e sempre presente administrativista, HELY LOPES MEIRELLES, quando esse disciplina que o poder hierárquico
“... é o de que dispõe o Executivo para distribuir e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal”. (4)
Quando trata sobre o poder disciplinar é esse mesmo autor, que, em sua bem-elaborada obra, nos fornece entendimento preciso e precioso, pontificando, então e nos exatos termos, que é
“... a faculdade de punir internamente as infrações funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e serviços da Administração. É uma supremacia especial que o Estado exerce sobre todos aqueles que se vinculam à Administração por relações de qualquer natureza, subordinando-se às normas de funcionamento do serviço ou do estabelecimento que passam a integrar definitiva ou transitoriamente”. (5)
Ainda e na mesma obra, para que não reste qualquer espécime de dúvida, principalmente para aqueles que se interessam e são estudiosos do Direito, no que se refere à relação de intimidade existente entre esses dois poderes administrativos – o hierárquico e o disciplinar –, HELY LOPES MEIRELLES (6) dispara, arrematando de forma mansa, clara, muito bem balizada e certeira que o
“Poder hierárquico e poder disciplinar não se confundem, mas andam juntos, por serem os sustentáculos de toda organização administrativa”.
E, na seqüência, reforçando esse seu posicionamento conclui que
“O poder disciplinar é correlato com o poder hierárquico, mas com ele não se confunde”.
É de meridiana inteligência que essas duas atribuições, que advêm do exercício de atividade administrativa, realizada pela autoridade competente, não se confundem, mas, por ser verdadeiro, andam juntas, havendo, portanto, a possibilidade legal de, por um mesmo fato, serem praticados dois ou mais atos: um em face do exercício de atribuição hierárquica; outro, da disciplinar e, talvez outros, por força e na forma dos Poderes Administrativos que a toda autoridade pública competente dispõe, haja vista que se trata de um “múnus” público, ou seja, ela recebeu da própria lei este encargo e, portanto, está nela investida; por essa razão, não se poderá argüir a expressão “bis in idem”, ou seja, de que a pessoa estaria sendo penalizada duas ou mais vezes pelo mesmo fato e, ainda, pela mesma autoridade administrativa.
Aqui o que há é, em realidade, o efetivo exercício da atividade administrativa, onde o agente público tem à sua disposição e para seu uso, todos os Poderes Administrativos afetos ao Estado, enquanto pessoa jurídica de Direito Público.
E mais, nos vem MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, baseada no exercício dessas duas atribuições, para nos ensinar e gizar que
“No que diz respeito aos servidores públicos, o poder disciplinar é uma decorrência da hierarquia; mesmo no Poder Judiciário e no Ministério Público, onde não há hierarquia quanto ao exercício de suas funções institucionais, ela existe quanto ao aspecto funcional da relação de trabalho, ficando os seus membros sujeitos à disciplina interna da instituição”. (7)
Na mesma linha de raciocínio está DE PLÁCIDO E SILVA, quando sobre o poder hierárquico averba, com precisão, que
“Na terminologia do Direito Administrativo, assim se denomina a soma de atribuições outorgadas aos superiores hierárquicos, a fim de que, na qualidade de chefes de repartições ou de departamentos públicos, possam superintender a ação de seus subordinados, na execução dos serviços ou no desempenho dos encargos, que lhes são confiados.
Neste poder, assim, inclui-se o direito de fiscalizar atos jurídicos e administrativos que venham a praticar os respectivos subordinados, de sustar sua execução, e, mesmo, de os reformar ou anular”. (8)
Na seqüência, é sobre o poder disciplinar que esse respeitado dicionarista se manifesta, na seguinte conformidade:
“Compreende a competência que é regulamentarmente atribuída às autoridades administrativas, de hierarquia superior, ou aos representantes dos órgãos administrativos, para que possam impor penas disciplinares aos empregados ou funcionários sob sua direção ou subordinação, pelas faltas cometidas em questões de serviço ou pelas transgressões aos deveres funcionais, que escapem à sanção legal”. (9) (grifos originais).
Vejam que procuramos trazer, até aqui, os entendimentos sobre os Poderes Administrativos – o Hierárquico e o Disciplinar, tanto no que respeita à doutrina pátria como, também, sobre o entendimento de autor de renome, que expede trabalho de extremo relevo sobre palavras e expressões jurídicas e, não bastasse essa nossa preocupação, optamos por trazer, ainda, o seu entendimento sobre os institutos da antigüidade e precedência.
Portanto e mais uma vez é que fomos buscar apoio em DE PLÁCIDO E SILVA, que sobre a antigüidade, manifesta-se de que ela é
“Palavra originada de antiquitas, quer significar o tempo decorrido, o tempo que passou, assinalando os fatos que se deram nele.
Na linguagem do Direito Administrativo, quer dizer o tempo de serviço do funcionário público, de que decorre a prerrogativa que o contempla na preferência para ser promovido, ou graduado em classe superior, ou melhor cargo, em virtude de ser contado como o de maior tempo no serviço público , dentro de sua classe ou categoria.
O tempo para a antigüidade é contado da data do despacho ou do ato de nomeação, quando a posse ocorre nos prazos regulamentares, ou da posse e exercício do cargo, em caso contrário.
A soma do tempo de serviço, contada em absoluto rigor cronológico, constitui a antigüidade, cuja finalidade é classificar o funcionário no primeiro plano dos de sua classe e indicá-lo, ex vi legis, para a promoção ser feita sob essa exigência”. (10) (grifos originais).
Ainda, sobre a precedência, averba que
“Do latim praecedencia, de praecedere (anteceder na ordem de colocação, vir adiante), exprime, vulgarmente, a posição de anterioridade ou a antecedência a respeito das coisas, que assim se mostram colocadas antes ou na frente de outras, que lhes são posteriores ou lhes seguem.
Em sentido jurídico, fundada no fato material da anterioridade, a precedência quer significar prioridade, primazia ou preferência asseguradas a quem antes fez qualquer coisa. É situação de quem ou do que deve ser colocado à frente ou em primeiro lugar.
...
Neste caso, a precedência é fundada no grau hierárquico da pessoa. O mais graduado precede sempre o menos graduado. E o mais antigo, o mais novo, quando ambos têm igual graduação”. (11) (grifos originais).
Então, fomos compulsar o Decreto federal n.° 88.777, de 30 de setembro de 1983, que aprovou o regulamento para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, onde localizamos e permitimo-nos extrair excertos, em nota de rodapé, que além de serem atuais são, inclusive, de soberbo esclarecimento pontual, (12) principalmente no que se refere à escala hierárquica, à hierarquia militar e à precedência.
Era certo que pairava, no Estado de São Paulo, uma dúvida cruel e que despertava séria preocupação, quanto ao entendimento a ser oferecido sobre esses dois institutos, haja vista que na Milícia Bandeirante estava, por vezes, ocorrendo certas e determinadas subordinações funcionais e que, inclusive, eram essas levadas a efeito por força de designações efetuadas pelo próprio Comando Geral, no sentido de serem efetivadas o exercício de específicas funções por oficiais que eram, em princípio, mais antigos naquele posto.
Em assim sendo, deveria aquele oficial, em que pese ser mais antigo do que o outro designado, ter de se subsumir a todos os comandamentos legais, principalmente no que se refere à obediência de ordens que serão emanadas por aquela autoridade competente, pois o próprio ato de designação já trazia plasmada a seguinte expressão: “... designando-o Comandante”, e que, em princípio, pelo menos materialmente, estava e procurava resolver a malfadada questão.
Vê-se, portanto, que, em princípio, aquela aresta administrativo-disciplinar-operacional já fora, desde então, amparada e aparada pelo ato administrativo editado pelo Comando Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, pois, quando das designações de oficiais para o exercício de atividades, onde estava presente um conflito aparente entre a precedência e a antigüidade, essa manifestação expressa, vinha com o objetivo de por termo em possíveis discussões acadêmicas, dando lhe, dessa forma, autoexecução.
Não obstante, essa providência administrativo-diciplinar-operacional e que fora a adotada pelo Comando da Milícia Estadual Paulista, veio a se somar e receber força do citado providenciamento administrativo, em face da própria Lei Complementar estadual n.° 893, de 9 de março de 2001, (13) que já, em sua abertura, estabelece, de forma muito clara, o que vem a ser a antigüidade e a precedência.
E é o art. 4°, incisos e parágrafo único, quem estabelecem o seguinte, no tocante à antigüidade:
“Art. 4°. A antigüidade entre os militares do Estado, em igualdade de posto ou graduação, será definida pela:
I – data da última promoção;
II – prevalência sucessiva dos graus hierárquicos anteriores;
III – classificação no curso de formação ou habilitação;
IV – data da nomeação ou admissão;
V – maior idade”. (grifos do autor).
Para DE PLÁCIDO E SILVA, nomeação é
“... aplicado na linguagem jurídica, como expressão técnica, para significar o ato pelo qual é uma pessoa designada ou indicada por uma outra, por seu nome, para desempenhar um encargo ou exercer uma função, investindo-se por essa forma, dos poderes indispensáveis ao exercício da missão ou do encargo.
No sentido do Direito Administrativo, entende-se o ato pelo qual o poder público faz designação de uma pessoa para que seja promovida no exercício de um cargo ou função pública”. (14) (grifos originais).
E, na seqüência, o próprio legislador complementar estadual resolve a questão, no tocante à precedência, exatamente pelo inserto no art. 5° e inc. I e na seguinte conformidade:
“Art. 5°. A precedência funcional ocorrerá quando, em igualdade de posto ou graduação, o oficial ou a praça:
I – ocupar cargo ou função que lhe atribua superioridade funcional sobre os integrantes do órgão ou serviço que dirige, comanda ou chefia;”. (grifos do autor).
Porém, será exatamente a partir daqui que fixaremos o nosso estudo e entendimento, para podermos, então, “groso modo”, oferecermos balizamentos hábeis, seguros e eficazes, no respeitante ao cargo de Comandante-Geral das Milícias estaduais, haja vista ser o cerne de nossa preocupação jurídico-administrativa.
Por essa razão é que inferiremos, hipoteticamente, ao já referido Comandante-Geral o seu envolvimento, a sua participação e a prática de um crime militar, no exercício de atribuições de Polícia Ostensiva de preservação da Ordem Pública, sendo certo, portanto, que esse crime será de competência da Justiça Militar estadual, como bem nos estabelece a nossa Carta Política federal, em seu art. 125 e § 4º:
“Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.
...
§ 4° Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares, definidos em lei, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças”. (grifo do autor).
Em face da forma federativa vigente do Estado brasileiro, modelado como está pelo inc. I, do § 4°, do art. 60, da mesma Carta Magna federal de 5 de outubro de 1988, o mesmo disciplinamento fora observado, também, pelo Legislador Constituinte Originário estadual, quando da efetivação do Processo Legislativo Originário, inserindo-o, dessa forma, na Constituição do Estado de São Paulo de 5 de outubro de 1989; porém, com a ressalva, de que o Comandante-Geral, quando de seu processamento e posterior julgamento, terá foro especial, nos seguintes e exatos termos:
“Art. 81. Compete ao Tribunal de Justiça Militar processar e julgar:
I – originariamente, o Chefe da Casa Militar, o Comandante-Geral da Polícia Militar, nos crimes militares definidos em lei, ...
...
§ 2° Aos Conselhos e Justiça Militar, permanente ou especial, com a competência que a lei determinar, caberá processar e julgar os policiais militares nos crimes militares definidos em lei”. (grifos do autor).
A ressalva a que nos referimos e que nos permitimos apontar, somente para registro, porém, sem discorrer a respeito, é a de que a Justiça Militar federal processa e julga todos os crimes militares – esses praticados por qualquer pessoa, seja ela civil ou militar, enquanto que as Justiças Militares estaduais somente processarão e julgarão os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares, definidos em lei. (15)
Pois bem, salta-nos uma dúvida, mas que o próprio espírito da lei cuidou e de forma muito bem balizada, pôde nos fornecer a solução hábil, sendo certo que aquela Norma Complementar observou, para tanto, os poderes administrativos sobre os quais discorremos e, ainda, de forma específica, no que se refere à antigüidade e à precedência.
Note-se que existe aqui, seguramente, não a eclosão de uma questiúncula, mais sim de uma questão de grande relevo hierárquico-disciplinar, haja vista que ela mexe e remexe, inclusive, com a própria estrutura organizacional, pois será Sua Excelência, o Senhor Comandante-Geral da Polícia Militar Estadual, que está em seu ápice e, dessa forma, não seria razoável, moral e nem prudente, que um subordinado seu viesse a ser, por exemplo, o Presidente de um Inquérito Policial Militar, ou seja, estaria, portanto, investido do exercício das atribuições de Polícia Judiciária Militar, em desfavor de pessoa que é o seu próprio Comandante, de fato e de direito.
Então, foi o próprio Decreto-lei n.° 260, de 29 de maio de 1970 quem dispôs sobre a inatividade dos componentes da Polícia Militar do Estado de São Paulo, onde estabelece, inclusive, certas e específicas condições que possibilitam a eclosão do instituto da reversão ao serviço ativo.
Sobre a reversão, fomos buscar, por mais uma vez, apoio em DE PLÁCIDO E SILVA, que, com precisão, afirma que
“Na linguagem do Direito Administrativo, entende-se o ato pelo qual o funcionário aposentado ou o militar reformado reingressa ou volta ao serviço ativo, ficando, assim, anulados os efeitos de sua aposentadoria ou sua reforma”. (16)
O que nos interessa, de forma direta, é o previsto pelos incs. II e III, do art. 26, do Decreto-lei n.° 260, de 29 de maio de 1970, senão vejamos:
“Art. 26. Os Oficiais da reserva remunerada poderão ser revertidos ao serviço ativo, por ato do Governador:
...
II – por convocação da Justiça Militar;
III – para instauração de inquéritos policiais-militares;”.
Dessa forma, é aqui que está, então e como já nos referimos, o supedâneo legal para que haja a instauração, bem como para a instrução que deverá ser levada a efeito, mediante a prática de atos de Polícia Judiciária Militar, quando se tratar de prática de crime militar, por pessoa que ocupe, por exemplo, o cargo de Comandante-Geral.
Nota-se, portanto, a preocupação dispensada pelo Legislador Constituinte Originário estadual e, também, pelo seu legislador infraconstitucional, haja vista que nos apresentam uma solução, em princípio, segura e que poderá ser a adotada pelo Governador do Estado, toda vez que, por exemplo, o Comandante-Geral da Milícia Estadual pratique crime militar e, agindo dessa forma, evitar-se-á que haja o comprometimento dos institutos da precedência e da antigüidade.
Aqui, foi à própria norma infraconstitucional que, respeitando os institutos acima referidos, reservou a competência ao Chefe do Executivo – o Governador do Estado, para que esse possa proceder, então e por intermédio da edição de ato administrativo próprio, a reversão de algum oficial que se encontre na reserva e que implemente as condições legais e necessárias, para poder, então, vir a atender aos efeitos desse ato, ou seja, a executar os atos de Polícia Judiciária Militar que lhe competirá, de forma direta e efetiva.
É de notório saber que o cargo de Comandante-Geral representa dentro da estrutura organizacional das Milícias Estaduais, o ápice da pirâmide administrativo-organizacional interna, ou seja, da hierarquia interna das Forças Públicas Estaduais, de molde que não há sobre ele e dentro da própria Instituição, qualquer outro militar estadual (17) que lhe imponha precedência, sendo certo, inclusive, que o detentor desse cargo, “in tempore”, poderá, inclusive, ser uma pessoa mais moderna, ou seja, aquele que poderá ter sido, inclusive, o último a ser promovido.
Em assim sendo e, se por acaso o oficial que implemente o cargo de Comandante-Geral vier a cometer um crime militar, necessitando, portanto, da eclosão da respectiva atividade de Polícia Judiciária Militar, por intermédio da instauração de Inquérito Policial Militar, deverá presidi-lo, como sugestão, um outro oficial a ser revertido ao serviço ativo na Milícia Estadual, se por acaso não tiver algum ex-Comandante-Geral permanecido na ativa da respectiva Milícia Estadual e que, por conseqüência, tenha, também, ocupado e exercido as mesmas atribuições afetas ao cargo de Comandante-Geral, para que sejam, dessa forma, respeitados, assegurados e garantidos todos os institutos sobre os quais nos debruçamos e estamos, por conseqüência, dissertando.
É certo que CÉLIO LOBÃO aponta-nos o seguinte entendimento, no que se refere à relação de antigüidade:
“... resulta da contagem do tempo de serviço no mesmo posto. Com a passagem do militar para a inatividade, esse tempo deixa de existir, extinguindo-se a relação de antigüidade decorrente do tempo de serviço”. (18)
Em face do entendimento apontado por este autor é que, “concessa venia”, permitimo-nos discordar “in totum”, tendo em vista que, como já nos referimos e afirmamos alhures, não denotamos qualquer possibilidade, no que respeita, principalmente, ao instituto da antigüidade, de que alguém que durante toda a sua trajetória administrativo-funcional foi-lhe superior hierárquico e, agora, por força da realização de um procedimento ou processo administrativo, ou até mesmo de um processo judicial, tenha de se subsumir a uma pessoa que sempre, ou seja, durante toda a sua carreira esteve a ele subordinado.
O entendimento que é o proposto por aquele autor vem, certamente, de encontro ao que está inserto no “caput”, do art. 42, da Constituição da República Federativa do Brasil, quando estabelece que:
“Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base da hierarquia e disciplina, são militares do Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”. (grifo do autor).
Ora, vê-se que agindo daquela forma proposta estaríamos, todos, colocando sob questão e, ainda, com a possibilidade da eclosão de sérios danos e, também, riscos às pilastras estruturais, que agora possuem foro constitucional e que dão sustento, principalmente, as Organizações Militares Estaduais, Distrital e Territoriais – a hierarquia e a disciplina.
Aqui, há de se levar em conta, para que nós sejamos pelo menos razoáveis, tendo em vista que não seria moral, legal e nem, quiçá, justo, um Comandante-Geral ter se envolvido e praticado, em tese, um crime militar; representar, por força de designação, o ápice da pirâmide administrativo-disciplinar e, agora, ter de se curvar, principalmente durante a efetivação do procedimento administrativo inquisitório, ou seja, o próprio Inquérito Policial Militar, ao dissabor da apuração, que estaria e seria levada a efeito, por um oficial que lhe é subordinado hierárquico-disciplinar.
Haveria, se assim o fosse, uma real inversão da pirâmide estatal e, por conseqüência, grave prejuízo à Hierarquia e Disciplina, (19) que, como já averbamos, são as bases estruturais e que regem as Organizações Militares, sejam elas as estaduais, a distrital e as territoriais, essas últimas, quando criadas, por ato do Governo federal.
Em assim sendo e com base nas lições ora desenvolvidas, entendemos que se por acaso, um Coronel da Reserva da Polícia Militar vier a praticar crime militar e, por conseguinte, ser ele indiciado em Inquérito Policial Militar deverá presidir esse procedimento administrativo um outro Coronel da Polícia Militar, da ativa e mais antigo.
Dessa forma, se o Coronel mais antigo estiver no serviço ativo da Corporação, nenhum problema haverá; porém, se na reserva, deverá um outro mais antigo ser revertido ao serviço ativo, nos termos da Lei específica, que trate sobre a inatividade na Polícia Militar.
Caso esse mesmo Coronel venha a ser processado criminalmente pela Justiça Militar estadual, a composição do Conselho Especial de Justiça exigirá que o escabinado ou escabinato seja integrado por 4 (quatro) oficiais mais antigos que o réu e, se existentes no serviço ativo da Corporação, deverão ser convocados e, caso inexistam, deverão eles, então, serem revertidos, da reserva para o serviço ativo.
Dessa maneira, para o real exercício das atribuições de Polícia Judiciária Militar, bem como as de Juiz Militar, perante o Conselho Especial de Justiça, não basta que o oficial (Coronel) tenha precedência sobre o indiciado/réu, respectivamente, mas, necessariamente, deverá ele ser mais antigo, também.
Vê-se, portanto, que a nossa preocupação foi, trazendo o entendimento de doutrinadores, de dicionarista, bem como, os dos legisladores constitucionais e infraconstitucionais, aquilo que demonstra ser o mais prudente para poder ser implementado, levando-se em conta, sempre, todos os princípios que regem a Administração Pública, bem como o da razoabilidade e o da proporcionalidade, (20) para que, dentro do Estado Democrático de Direito, possa reinar os valores colocados em relevo pelos representantes do povo, destacando-os e, na seqüência, tracejando norma de comportamento que afeta a coletividade, inserindo, inclusive, sanção pelo seu descumprimento.

BIBLIOGRAFIA

LOBÃO, Célio. Direito penal militar atualizado. Brasília Jurídica, 1999.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 18ª ed., atual. por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, São Paulo, Malheiros Editores,1993.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 13ª ed., rev. ampl. e atual. até a Emenda Constitucional 31, de 14.12.2000, São Paulo, Malheiros Editores, 2001

PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 13° ed., São Paulo, Editora Atlas S/A., 2001.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 15ª ed., rev. e atual por Nagib Slaib Filho e Geraldo Magela Alves, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1999.

NOTAS:
1.SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 15ª ed., rev. e atual por Nagib Slaib Filho e Geraldo Magela Alves, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1999, p. 616: “A polícia judiciária é repressiva, porque, não se tendo podido evitar o mal, por não ter sido previsto, ou por qualquer outra circunstância, procura, pela investigação dos fatos criminosos ou contravencionais, recolher as provas que os demonstram, descobrir os autores deles, entregando-os às autoridades judiciárias, para que cumpram a lei”. (grifos originais).
2. SILVA, De Plácido e. ob. cit., p. 314: “Órgão judicial composto de juízes togados e juízes leigos, como, por exemplo, a junta de conciliação e julgamento da Justiça do Trabalho”.
3. LOBÃO, Célio. Direito penal militar atualizado. Brasília Jurídica, 1999, p. 85.
4. MEIRELLES, Hely Lopes, Direito administrativo brasileiro. 18ª ed., atual. por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, São Paulo, Malheiros Editores,1993, p. 105.
5. MEIRELLES, Hely Lopes, ob. cit., p. 108.
6. MEIRELLES, Hely Lopes, ob. cit., pp. 105 e 109.
7. PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 13° ed., São Paulo, Editora Atlas S/A., 2001, p. 90.
8. SILVA, De Plácido e. ob. cit., p. 614.
9. SILVA, De Plácido e, ob. cit., p. 614.
10. SILVA, De Plácido e, ob. cit., p. 67.
11. SILVA, De Plácido e, ob. cit., p. 627.
12. Os n°s. 11, 15 e 30, do art. 2°, “in verbis”, respectivamente: “11) Escala Hierárquica – Fixação ordenada dos postos e graduações existentes nas Polícias Militares (PM). ... 15) Hierarquia Militar – Ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas e Forças Auxiliares. ... 30) Precedência – Primazia para efeito de continência e sinais de respeito”.
13. A Lei Complementar n.° 893, de 9 de março de 2001 institui o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
14. SILVA, De Plácido e, ob. cit., p. 557.
15. Reportamos o leitor aos arts. 124 e 125, § 4°, da Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988.
16. SILVA, De Plácido e, ob. cit., p. 720.
17. Expressão “militar estadual” está sendo aqui utilizada, por força da Emenda Constitucional n.° 18, de 5 de fevereiro de 1998.
18. LOBÃO, Célio, op. cit., p. 85.
19. A “hierarquia e disciplina” foram introduzidas no Texto Supremo federal, por força da Emenda Constitucional n.° 18, de 5 de fevereiro de 1998, alterando a redação original do art. 42.
20. Sobre os princípios da razoabilidade e o da proporcionalidade sugestionamos ver em MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 13ª ed., rev. ampl. e atual. até a Emenda Constitucional 31, de 14.12.2000, São Paulo, Malheiros Editores, 2001, pp. 39-40

PORTE DE ARMA SEM MUNIÇÃO

O crime de porte ilegal de arma sem munição, ou, quando o desejo tenta desbancar a realidade
Alexandre Magno F. M. Aguiar
Procurador do Banco Central em Brasília. Professor de Direito Penal, Processual Penal e Administrativo na Universidade Paulista e no curso preparatório Pró-Cursos. Editor do site: www.alexandremagno.com
Caso: DPS foi preso em flagrante portando, no porta-malas de seu carro, uma espingarda de fabricação caseira, calibre 28, desmuniciada. O réu também mantinha em seu carro dois cartuchos calibre 28 e não tinha a autorização legal para portar armas. Nesses termos, foi denunciado como incurso nas penas do art. 14 da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento). Na sentença, o douto juiz monocrático considerou verdadeiros os fatos narrados na denúncia. Porém, absolveu o réu com base na atipicidade do fato e tendo por baliza o julgamento do RHC 81.057-8/SP, proferido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Procurar-se-á demonstrar, com base na exata interpretação do art. 14 da Lei 10.826/2003 e da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios e do STF, o erro da decisão.
1 – Da incriminação do porte ilegal de armas e de munições
O porte ilegal de armas foi, durante décadas, apenas uma contravenção penal. Em vista da crescente criminalidade violenta, foi editada a “Lei de Armas de Fogo” (Lei 9.437/97), que tornou essa conduta um crime, cominando pena de detenção de um a dois anos e multa.
Tal lei não foi suficiente para conter a criminalidade violenta. Pelo contrário, ano a ano, cresciam as taxas de várias modalidades de crimes, como homicídio e extorsão mediante seqüestro. O Estado brasileiro, como de costume, não tomou as necessárias providências administrativas para fortalecer a segurança pública. Mais uma vez, sua atitude foi aprovar uma lei penal mais rigorosa. E, assim, nasceu o famoso “Estatuto do Desarmamento”, a Lei 10.826/2003.
Seu art. 14 dispôs sobre o crime de porte de arma de fogo de uso permitido:
“Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido
Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente”.
Vê-se que importantes alterações foram realizadas. Primeiramente, a lei não pune apenas o porte ilegal de arma de fogo, mas também de acessórios de munições. Além disso, a pena foi aumentada de 1 a 2 anos para de 2 a 4 anos. Assim, o crime deixa de ser considerado de menor potencial ofensivo (com julgamento nos Juizados Especiais), alcançando o grau de alto potencial ofensivo. Por fim, o crime torna-se inafiançável, ou seja, o acusado tem de responder ao processo preso, a não ser que a arma esteja registrada em seu nome.
Ora, é indubitável que o legislador terminou por considerar o porte ilegal de armas como um crime de relevante gravidade. Chama atenção o fato de tornar-se crime o porte ilegal de munição. Assim, atualmente, é crime o porte ilegal de arma, isoladamente, ou seja, sem munição, e o porte de munição, isoladamente, ou seja, sem estar inserida em uma arma.
Tal conclusão é decorrência lógica da redação do art. 14 do Estatuto do Desarmamento. Porém, há uma vertente na doutrina que, a despeito disso, advoga que somente é crime o porte ilegal de arma municiada. Será demonstrado, a seguir, o erro de tal posicionamento.
2 – Da constitucionalidade do art. 14 da Lei 10.826/2003
As infrações penais comportam diversas classificações e um delas refere-se ao momento da proteção do bem jurídico (como vida, liberdade e propriedade), ou seja, se é necessária a efetiva lesão a esses bens ou se basta a exposição a risco dos bens protegidos. No primeiro caso, há os crimes de dano e, no segundo, os crimes de perigo.
No caso dos crimes de perigo, a lei penal antecipa a proteção aos bens jurídicos incriminando as condutas que simplesmente colocam em risco esses bens. Para a configuração do crime, a lei requer apenas a probabilidade de dano e não a sua ocorrência efetiva. Há duas espécies principais de crimes de perigo:
1. crimes de perigo concreto: só se caracterizam se houver, no caso, a comprovação do risco ao bem protegido.O tipo penal requer a exposição a perigo da vida ou da saúde de outrem. Ex.: crime de maus-tratos (art. 136);
2. crimes de perigo abstrato ou presumido: o risco ao bem jurídico protegido é presumido de modo absoluto (presunção juris et de jure) pela norma, não havendo necessidade de sua comprovação no caso concreto. Ex.: omissão de socorro (art. 135).
O crime de porte ilegal de arma, previsto no art. 14 da Lei 10.826/2003, é, obviamente, crime de perigo abstrato ou presumido. Não é preciso demonstrar a ocorrência do risco para a vida, a integridade física ou o patrimônio de outras pessoas. Basta a conduta do agente para estar consumado o crime.
Parte da doutrina advoga a inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, por suposta violação aos princípios da lesividade e da intervenção mínima (cf., por todos, QUEIROZ, Paulo. Direito Penal. Parte Geral, p. 157). Porém, sérias objeções devem ser feitas a esse posicionamento.
Em primeiro lugar, a Constituição, em momento algum, enumera tais princípios. Obtê-los mediante simples interpretação do texto constitucional seria um verdadeiro “contorcionismo hermenêutico”. Aliás, é sintomático que, quando um doutrinador discorda da escolha do legislador, a tentação é taxar logo sua interpretação de inconstitucional, como se a Carta Magna devesse se vergar aos caprichos de quem quer que seja. Mais do que isso, a Constituição chega a exigir a atuação do “Direito Penal Máximo” quando se trata de crimes hediondos e assemelhados (cf. art. 5°, XLVIII). Também é interessante perceber que a quantidade de atribuições enumeradas ao Estado na Constituição faz com que ele seja muito mais um Estado máximo do que mínimo. Sem dúvida alguma, estamos mais próximos do socialismo do que do liberalismo. Pretender que o Estado interfira fortemente em quase todas as áreas imagináveis e colocar o Direito Penal como campo de “intervenção mínima” é visivelmente contraditório. O sistema penal não deve obedecer a uma lógica diversa dos outros sistemas.
Em segundo lugar, “perigo” é um conceito jurídico indeterminado, cujo campo de significação pode variar entre uma possibilidade remota e uma extrema probabilidade de risco. Não existe um “ponto médio” onde deveria se situar a atuação penal. Pelo contrário, está dentro da discricionariedade do legislador determinar a partir de que ponto o risco é inaceitável. Além disso, considerar inconstitucionais os crimes de perigo abstrato levaria a relevantes indagações: dever-se-ia extirpar de nosso ordenamento jurídico os crimes de omissão de socorro (Código Penal, art. 135) e de formação de quadrilha ou bando (CP, art. 288)? Ignora-se a existência de qualquer “garantista” que requeira a supressão desses artigos!
De todo modo, existe realmente um perigo na conduta de quem porta uma arma, mesmo que esteja desmuniciada. O agente poderá não utilizá-la naquela ocasião, mas poderá dela servir-se em outras situações, nas quais a arma estará municiada. O risco para a incolumidade de outras pessoas sempre existe quando uma arma está à disposição de alguém que não tem condições para portá-la. Nesse sentido ilustram Winter e Lima:
“Imaginemos um caso em que o indivíduo é flagrado transportando uma arma de fogo desmuniciada no porta-luvas de seu automóvel. Não há, no caso, qualquer possibilidade de uso instantâneo. Pense-se, todavia, que, na hipótese, esta pessoa está se dirigindo à sua residência, a poucos quilômetros da apreensão da arma de fogo, para buscar projéteis e matar seu inimigo. É razoável dizer que o agente não tem disponibilidade sobre o objeto e, no caso, a conduta é atípica? Esta conduta não está colocando em perigo a incolumidade pública? Parece-nos que ambas as perguntas devem ser respondidas negativamente”.
Esta é posição pacífica da jurisprudência do TJDFT, in verbis:
“PORTE DE ARMA DESMUNICIADA. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE. REGIME. 1. MUITO EMBORA O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL JÁ TENHA SE PRONUNCIADO NESTE SENTIDO (RHC 81.057, DJ DE 29.04.2005, PGS 30), DA ATIPICIDADE DO PORTE EM RAZÃO DA ARMA SER ENCONTRADA DESMUNICIADA, TEM-SE QUE A RAZÃO DA CRIMINALIZAÇÃO DAS ARMAS DE FOGO CLANDESTINAS É EM FACE DO EFETIVO PERIGO QUE REPRESENTAM PARA A COLETIVIDADE COMO UM TODO; E DA NECESSIDADE DE UM EFETIVO CONTROLE, DELAS E DE SEUS PROPRIETÁRIOS PELO PODER PÚBLICO.
Classe do Processo: 20030810013072APR DF
Data de Julgamento: 28/06/2007”
“PENAL. PORTE DE ARMA DE FOGO. ARMA DESMUNICIDADA. IRRELEVÂNCIA. TIPICIDADE. ARTIGO 14 DA LEI 10.826/2003. A NORMA PENAL INCRIMINADORA DO ARTIGO 14 DA LEI Nº 10.826/2003 NÃO DESCREVEU A CONDUTA ILÍCITA COM A EXIGÊNCIA DE MUNICIAMENTO DA ARMA, DE MODO QUE, PARA A CONFIGURAÇÃO DO CRIME DESCRITO PELO REFERIDO ARTIGO, TIPO PENAL DE CONTEÚDO MÚLTIPLO, BASTANTE A PLENA SUBSUNÇÃO DA CONDUTA DOS ACUSADOS A UM DOS VERBOS ALI PRESENTES. A CIRCUNSTÂNCIA DE A ARMA ENCONTRAR-SE DESMUNICIADA, É IRRELEVANTE PARA A CONFIGURAÇÃO DO DELITO PREVISTO NO ART. 14 DA LEI Nº 10.826/03.
Classe do Processo: 20050710095754APR DF
Data de Julgamento: 19/07/2007”
“PENAL. PROCESSO PENAL. POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO. ART. 12, DA LEI N. 10.826/03. PROVAS SUFICIENTES DA AUTORIA E MATERIALIDADE. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL, CORROBORADA PELOS DEPOIMENTOS DE TESTEMUNHAS. RETRATAÇÃO EM JUÍZO SEM QUALQUER VEROSSIMILHANÇA. CONDENAÇÃO MANTIDA. (...) 2. INDIFERENTE, PARA CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO EM INTERIOR DE RESIDÊNCIA, QUE A ARMA ESTEJA DESMUNICIADA. PRIMEIRO, PORQUE O TIPO PENAL EM QUESTÃO PUNE TANTO A POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO QUANTO A POSSE IRREGULAR DE MUNIÇÃO, SEPARADAMENTE CONSIDERADAS, NÃO EXIGINDO A PRESENÇA CONCOMITANTE DE AMBAS. DEPOIS, TRATA-SE DE CRIME DE MERA CONDUTA, CUJA CONSUMAÇÃO PRESCINDE DA OCORRÊNCIA DE RESULTADO LESIVO.
Classe do Processo: 20060710202197APR DF
Data de Julgamento: 10/05/2007”
Em julgamento recente, o Superior Tribunal de Justiça mantém o entendimento no mesmo sentido do TJDF:
“CRIMINAL. HC. PORTE DE MUNIÇÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. CONDUTA TÍPICA. PERIGO ABSTRATO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA.
Hipótese em que ao paciente foi imputada a prática do crime previsto no art. 14 da Lei 10.826/2003 por terem sido encontradas, em tese, sob sua guarda, oito cápsulas calibre 38.
Esta Turma já decidiu que o porte de munição configura conduta típica, eis que caracterizado o perigo abstrato ao objeto jurídico protegido pela Lei n.º 10.826/2003, na esteira do entendimento consolidado quanto ao porte ilegal de arma de fogo desmuniciada.
Precedente.
Ordem denegada.” (HC 70080 / SP, julgado em 10/05/2007)
Portanto, não há nenhum óbice constitucional à categoria dos crimes de perigo abstrato e, especialmente, quanto ao crime de porte ilegal de armas, como demonstrado extensivamente nos julgados colacionados.
3 – Da correta interpretação do RHC 81.057-8/SP
Mesmo que, somente por hipótese, se admitisse a inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, deve-se verificar qual é o real alcance do RHC 81.057-8/SP, tantas vezes debatido na doutrina.
No citado julgamento, mostram-se relevantes os seguintes trechos:
“4. Não importa que a arma verdadeira, mas incapaz de disparar, ou a arma de brinquedo possam servir de instrumento de intimidação para a prática de outros crimes, particularmente, os comissíveis mediante ameaça – pois é certo que, como tal, também se podem utilizar outros objetos – da faca à pedra e ao caco de vidro –, cujo porte não constitui crime autônomo e cuja utilização não se erigiu em causa especial de aumento de pena. 5. No porte de arma de fogo desmuniciada, é preciso distinguir duas situações, à luz do princípio de disponibilidade: (1) se o agente traz consigo a arma desmuniciada, mas tem a munição adequada à mão, de modo a viabilizar sem demora significativa o municiamento e, em conseqüência, o eventual disparo, tem-se arma disponível e o fato realiza o tipo; (2) ao contrário, se a munição não existe ou está em lugar inacessível de imediato, não há a imprescindível disponibilidade da arma de fogo, como tal – isto é, como artefato idôneo a produzir disparo – e, por isso, não se realiza a figura típica.” (grifou-se)
Primeiramente, o acórdão refere-se a arma incapaz de disparar, o que, obviamente, não é o caso, pois a arma do crime em questão é eficiente para o disparo de projéteis. Portanto, algum perigo ela representa, pois, mesmo desmuniciada, pode ser futuramente utilizada pelo agente.
Porém, o dado mais relevante está na hipótese levantada pelo STF: se a arma está desmuniciada, mas a munição está à disposição do agente naquele momento, de modo que ele possa municiá-la sem demora, tem-se o tipo penal. Em termos de risco, não há diferença significativa entre uma arma cuja munição já se encontra instalada e outra cuja munição pode ser instalada em poucos momentos.
Portanto, o juízo monocrático fez interpretação incorreta do citado julgado da Corte Suprema. Mesmo admitindo-se a existência dos princípios da lesividade e da ofensividade, estes incidem no caso, pois a arma municiada é aquela pronta para ser municiada constituindo um perigo concreto para a coletividade.
4 – Conclusão
Em determinados casos, a opção legislativa pode ser extremamente criticável, por ineficaz e divorciada da realidade. O Estatuto do Desarmamento é um desses casos (sobre o tema, recomenda-se a contundente crítica de Gilberto Thums: “Estatuto do desarmamento: fronteiras entre racionalidade e razoabilidade comentários por artigo – análise técnica e crítica”). Existe o risco bastante concreto de se desarmar o cidadão comum, mas deixar ilesos criminosos violentos.
Porém, essa é a opção legislativa, aprovada de acordo com as regras do jogo democrático. Não cabe ao intérprete adequar a lei a sua visão de mundo, ou seja, à realidade idealizada por ele. A lei e a Constituição devem ser interpretadas dentro da lógica do razoável, não sendo possível dar à norma significados que são totalmente estranhos a ela. A liberdade do intérprete deve ter seus limites, sob pena de desconfigurar-se a noção de ordenamento jurídico.
Outra questão diz respeito à banalização dos princípios jurídicos. Atualmente, quando um doutrinador quer dar relevo a determinada posição ideológica, logo invoca um princípio, mesmo que não haja a mínima generalidade nele. Facilmente, poderiam ser encontrados mais de mil “princípios” enunciados pelos juristas brasileiros. Ora, não é possível sustentar um sistema jurídico minimamente coerente em uma miríade de “inícios” ou “fundamentos”. Nesse ponto, é relevante lembrar a clássica definição de “princípio” fornecida por Bandeira de Mello (2004, p. 841-842):
“Princípio (...) é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.”
Portanto, posta a lei, ela deverá ser interpretada logicamente: goste-se ou não, hoje é crime tanto o porte de arma desmuniciada quanto o porte de munição fora da arma. A discordância doutrinária é legítima, mas não altera esse fato.
Bibliografia
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Volume 4. Legislação Penal Especial. São Paulo: Saraiva, 2006.
MELO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004.
QUEIROZ, Paulo. Direito Penal. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2005.
THUMS, Gilberto. Estatuto do desarmamento: fronteiras entre racionalidade e razoabilidade comentários por artigo (análise técnica e crítica). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
WINTER, Maria Lucia; LIMA, Vinicius Winter de Souza. A tipicidade do porte de arma de fogo desmuniciada e condutas assemelhadas

RESISTÊNCIA

RESISTÊNCIA

CP: Art. 329. Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio:
Pena - detenção, de 2 meses a 2 anos.
§ 1º Se o ato, em razão da resistência, não se executa:
Pena: reclusão de 1 a 3 anos.

§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.


OBJETO JURÍDICO: A Administração Pública.

SUJEITO ATIVO: Qualquer pessoa

SUJEITO PASSIVO: o Estado; secundariamente, a pessoa contra a qual a ação é praticada (funcionário ou pessoa que o auxilia)

TIPO OBJETIVO: a conduta incriminada é a oposição à execução de ato funcional. Os meios empregados são a violência física (exercida contra o executor ou seu auxiliar, não contra a coisa) ou a ameaça verbal ou escrita (independente da gravidade). São pressupostos do delito em estudo: a) Ato legal: é indispensável a legalidade do meio e forma de execução, posto que a ilegalidade do ato do funcionário público, torna legítima a resistência e afasta a tipicidade do comportamento. Porém, a injustiça do ato não descaracteriza a resistência, o que se exige é a legalidade daquele. Ressalte-se que, o ato funcional deve ser contemporâneo à resistência; b) Funcionário competente: Se incompetente o fato é atípico.

TIPO SUBJETIVO: o dolo (genérico), que consiste na vontade de empregar violência ou ameaça, com consciência da legalidade do ato e da condição de funcionário do executor + o elemento subjetivo: a fim de opor-se à execução (dolo específico). Inexiste forma culposa.

CONSUMAÇÃO: Com a prática da violência ou ameaça.

TENTATIVA: Admite-se.

DISTINÇÃO: Resistência X Desacato: naquela há violência ou ameaça para que a ordem não seja executada. Neste último, há o desejo de menosprezar ou humilhar o funcionário. As palavras ultrajantes, que não configuram ameaça, não constituem resistência, podendo haver desacato (art. 331). Resistência X Desobediência: distinguem-se por não existir nesta última figura violência ou ameaça à pessoa incumbida da prática do ato legal. Ressalte-se que a resistência passiva não tipifica o delito de resistência, porque não há agressão contra o funcionário. Ex: Dada voz de prisão a alguém, ele se agarra a um poste para não ser conduzido à Delegacia. Na hipótese poderá se caracterizar o crime de desobediência (art. 330).

FIGURA QUALIFICADA (§ 1º): Se o ato, em razão da resistência, não se executa, o crime torna-se qualificado, com penas mais severas, não só porque deixa de ser cumprida a lei, como também é desmoralizada a autoridade. O § 1º cuida de hipótese de crime exaurido, punido o fato mais severamente pelo resultado obtido pelo agente. Para tanto, é necessário que o funcionário público, realmente, não consiga vencer a resistência. Se ele, não obstante a resistência, pode executar o ato, mas não o faz, inexiste a forma qualificada.

CONCURSO DE CRIMES (§ 2º): o legislador prevê concurso material entre a resistência e o delito em que consiste a violência física (lesão corporal ou homicídio), determinando a cumulação das penas correspondente a cada um deles. A contravenção de vias de fato é absorvida pela elementar “violência”, não subsistindo como infração autônoma.


DESOBEDIÊNCIA

CP: Art. 330. Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
Pena - detenção de 15 dias a 6 meses, e multa


OBJETO JURÍDICO: A Administração Pública, especialmente o cumprimento de suas ordens.

SUJEITO ATIVO: Qualquer pessoa. Até mesmo o funcionário público, estando fora de suas funções, pode também cometer o crime.

SUJEITO PASSIVO: é o Estado. Ofendido também é o funcionário que dá ou expede a ordem desde que tenha atribuição ou competência para tanto.

TIPO OBJETIVO: O núcleo do tipo é desobedecer, ou seja, não cumprir, não atender, não acatar a ordem legal. Tanto pode ser praticada por omissão, não atuando o agente como deve, quanto por comissão, agindo quando deve se abster. É necessário que: a) trate-se de uma ordem (não bastando um pedido ou solicitação para fazer ou deixar de fazer alguma coisa). Para que se configure o crime de desobediência, a ordem deve ser transmitida diretamente ao destinatário, o que se pode fazer por várias maneiras ou modos (verbalmente, por escrito, etc.), e nunca pode ser presumida. Também é necessário que a ordem seja individualizada, isto é, dirigida inequivocamente a determinada pessoa, que tem o dever jurídico de recebê-la ou acatá-la; b) seja a ordem legal : é indispensável a sua legalidade, substancial e formal. A ordem pode até ser injusta, todavia não pode ser ilegal; c) seja ordem de funcionário público: é necessária a competência funcional deste para expedir ou executar a ordem.

TIPO SUBJETIVO: é o dolo (genérico), ou seja, a vontade livre e consciente de desobedecer a ordem legal que tem obrigação ce cumprir. O erro ou o motivo de força maior exclui o elemento subjetivo. Não há forma culposa.

CONSUMAÇÃO: Na forma comissiva : o crime consuma-se quando pratica o ato de que devia abster-se. Na forma omissiva: quando o sujeito devia agir e não o faz no lapso de tempo determinado.

TENTATIVA: É possível apenas na forma comissiva.

DISTINÇÃO: Desobediência X Resistência: neste último há o emprego de violência ou ameaça ao funcionário. Desobediência X Exercício Arbitrário das Próprias Razões: neste último o agente desobedece a ordem para satisfazer pretensão, ainda que legítima. Desobediência X Prevaricação: tratando-se de funcionário que desobedece a ordem legal não se configura o crime de desobediência, mas, eventualmente, o de prevaricação.

COMINAÇÃO DE SANÇÃO CIVIL OU ADMINISTRATIVA: Enfim, estão de acordo a doutrina e jurisprudência de que não se configura o crime de desobediência quando alguma lei de conteúdo não penal comina penalidade administrativa, civil ou processual para o fato. Não há que se falar, porém, em bis in idem na aplicação cumulativa dessas sanções com a pena quando a própria lei extrapenal prevê, expressamente a possibilidade de cumulação das reprimendas.

CONCURSO DE CRIMES: a prática de outro crime, por si mesma, não pode constituir, ao mesmo tempo, o crime de desobediência. O crime de resistência absorve o de desobediência, que nada mais é do que a resistência passiva.



DESACATO


CP: Art. 331: Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:
Pena - detenção, de 6 meses a 2 anos, e multa.

OBJETO JURÍDICO: A Administração Pública, principalmente o respeito à função pública.

SUJEITO ATIVO: Qualquer pessoa

SUJEITO PASSIVO: O Estado; secundariamente, o funcionário ofendido em sua honra profissional (funcional).

TIPO OBJETIVO: O núcleo “desacatar” tem o sentido de ofender, menosprezar, humilhar, podendo o desacato consistir em palavras injuriosas, difamatórias ou caluniosas, vias de fato, agressão física, ameaças, gestos obscenos, etc. É necessário que o desacato seja contra funcionário público: a) no exercício da função; ou b) em razão dela.

TIPO SUBJETIVO: é o dolo (genérico), consistente na vontade livre e consciente de proferir palavra ou praticar ato injurioso + elemento subjetivo referente ao especial fim de desprestigiar a função pública do ofendido (dolo específico). Inexiste forma culposa.

CONSUMAÇÃO: Com o ato ou palavra, de que o ofendido tome conhecimento.

TENTATIVA: Admite-se, na dependência do meio empregado pelo agente. Se a ofensa for oral, crime formal, não se admite a tentativa.

DISTINÇÃO: Quando não se configura o crime de desacato, pela ausência do ofendido, pela inexistência de relação com a função pública ou de qualquer elemento do tipo, pode configurar-se um dos crimes contra a honra.

CONCURSO DE CRIMES: O desacato absorverá a infração cometida em sua execução. Ex: A injúria, infração mais leve, é absorvida pelo desacato por constituir elemento deste. Caso a infração seja mais grave haverá concurso formal.

Art. 329 — Resistência
Um dos elementos caracterizadores da resistência é a oposição a uma ordem legal. Ora, se essa é abusiva, portanto, antijurídica, não se pode falar na existência do delito em questão. (TACRIM-SP — AC — Rel. Camargo Aranha — RT n. 461/378).
Não ignorando o réu, diante do mandado que lhe foi exibido, que a vítima era perito judicial, e se opondo, apesar disso, a que vistoriasse o imóvel objeto da demanda, comete o delito de resistência. (TJSP — AC — Relator Carvalho Filho — RT n. 515/334).
Para a tipificação do delito de resistência, a oposição à prática de ato legal deve ser efetiva, nada significando a mera resistência passiva, bem como o fato de espernear e desferir o acusado pontapés em seu detentor. (TACRIM-SP — AC — Relator Brenno Marcondes — RT n. 601/332).
Configura-se a resistência na oposição por meio de violência ou ameaça à execução de ato legal por autoridade pública competente. Assim, responde pelo delito o meliante que, perseguido logo após a consumação de diversa infração, à mão armada se opõe à voz de prisão. (TACRIM-SP — AC — Relator Ferreira Leite — JUTACRIM 27/356-357).
Art. 330 — Desobediência
O delito de desobediência não é suscetível de cometimento apenas por particulares. Também o funcionário público pode ser sujeito ativo da infração. (TACRIM-SP — RHC — Relator Ricardo Couto — RT n. 418/249).
Na conceituação do crime capitulado no art. 330 do CP, equipara-se ao particular o funcionário que não age nessa qualidade, isto é, em cujos deveres funcionais não se inclui o de obedecer à ordem descumprida, pois, caso contrário, o que poderá ocorrer é o crime de prevaricação. (TJSC — HC — Relator Ivo Sell — RT n. 519/416).
Pratica o delito de desobediência o agressor que, solicitado pela autoridade a lhe entregar a arma usada, nega-se a fazê-lo. (TACRIM-SP — AC — Relator Ricardo Couto — JUTACRIM 14/267).
Para que se configure o delito de desobediência, é indispensável a existência de ordem legal, expedida por autoridade competente, em forma regular e contra pessoa determinada. Dele não se há de cogitar, portanto, sequer em tese, se a ordem que se diz desobedecida não foi dirigida ao acusado, e sim à autoridade policial. (TACRIM-SP — HC — Relator Ercílio Sampaio — RT n. 591/342).
Do simples não-comparecimento à audiência por parte da testemunha devidamente intimada não se pode concluir que tenha ela agido com o propósito de desobedecer a ordem da autoridade, inexistindo, portanto, o elemento subjetivo caracterizador do delito do art. 330 do CPC. (TACRIM-SP — AC n. 335.931 — Relator Adauto Suannes).
Se a lei alude às providências para trazer a juízo o recalcitrante, resulta óbvio que o processamento da testemunha pelo crime de desobediência somente é de determinar-se depois que, tendo sido conduzida, não justificou convenientemente sua ausência anterior. (TACRIM-SP — HC — Relator Adauto Suannes — RT n. 587/326).
Art. 331 — Desacato
O crime de desacato se configura por qualquer palavra que redunde em vexame, humilhação, desprestígio ou irreverência ao funcionário público. (TACRIM-SP — AC — Relator Manoel Pedro — RT n. 369/277).
A ofensa constitutiva do desacato é qualquer palavra ou ato que redunde em vexame, humilhação, desprestígio ou irreverência ao funcionário. É a grosseira falta de acatamento, podendo consistir em palavras injuriosas, difamatórias ou caluniosas, vias de fato, agressão física, ameaças, gestos obscenos, gritos agudos etc. (TAMG — AC — Relator Sylvio Lemos — RT n. 409/427).
O desacato, em tese, se objetiva por meio de qualquer palavra ou ato que redunde em desprestígio ou irreverência ao funcionário, tais como a grosseira falta de acatamento, ameaças e expressões proferidas em altos brados, ainda que não contumeliosas. (TJSP RHC — Relator Humberto da Nova — RT n. 466/316). No mesmo sentido: JUTACRIM 23/342-343, 64/269, 81/465 e 83/287; RT n. 595/378.
O desacato aperfeiçoa-se na intenção de aviltar, amesquinhar o funcionário público em razão de seu ofício ou quando estiver no exercício de suas funções. Quando o insulto atingir, no máximo, a honra subjetiva, não se configura o delito. (TACRIM-SP — AC — Relator Marrey Neto — RT n. 649/284).
A certidão lavrada por oficial de justiça que documenta claramente o delito de desacato contra ele praticado, quando no exercício de suas funções, é suficiente para fundamentar o decreto condenatório, vez que esse funcionário goza de fé pública e a presunção de veracidade de seus atos, conquanto seja juris tantum, somente poderá ser destruída mediante prova convincente. (TACRIM-SP — AC — Relator Sidnei Beneti — RT n. 661/1.296).
Sem a vontade livre e consciente de menosprezar, no funcionário, a função pública, expondo-se ao desprestígio, não se integra o desacato. Essa tem sido a razão pela qual a jurisprudência tem afastado o reconhecimento do delito nas hipóteses em que as ofensas são proferidas por ébrios ou por indivíduos que, no momento, se mostram possuídos de intenso descontrole nervoso. (TACRIM-SP — AC — Relator Cid Vieira — JUTACRIM 75/189).
Se a embriaguez, ainda que incompleta, é paralisadora dos processos psíquicos mais elevados, é evidente que tal estado não se harmoniza com o fim certo e deliberado, estatuído na própria tipicidade, para a caracterização do desacato. A intoxicação alcoólica obsta a que o agente tenha condições de atuar com intenção certa, determinada, qualificada, e a figura exige, ao ser realizada, que o agente atue com a finalidade específica de desacatar. (TACRIM-SP — AC — Relator Silva Franco — RT n. 526/392).
ANOTAÇÕES - DIREITO PENAL
330 – DESOBEDIÊNCIA
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO COMETIDOS POR PARTICULAR330 – DESOBEDIÊNCIA“Art. 330 - Desobedecer a ORDEM LEGAL de funcionário público:Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.”QUE ORDEM?Há necessidade deste crime no Código Penal?Em muitos países nunca houve um crime de desobediência.Em outros, como em Portugal, há vivo debate sobre a conveniência de se manter um tipo (atual artigo 348º) tão amplo, que incrimina a mera desobediência sem exigir efetiva lesão a um bem jurídico.Na verdade, o tipo de desobediência é um tipo aberto e transfere para as mãos da autoridade administrativa a tarefa de determinar seu conteúdo, para incômodo do princípio da legalidade (nulun crimen, nulla poena sine lege – Anselm Feuerbach).É o típico crime de apoio ao príncipe.QUAL FUNCIONÁRIO PÚBLICO?O funcionário público stricto sensu, descrito no artigo 327, caput:“Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.”Outrora era chamada de RESISTÊNCIA PACÍFICA.Resume-se no não cumprimento de ordem legal lançada por funcionário competente.SA É um crime comum. Qualquer pessoa pode cometê-lo.Em princípio, o funcionário público não comete este crime se o cumprimento da ordem estiver no contexto de suas funções. Nesta hipótese, o desatendimento da ordem poderá configurar eventual crime de prevaricação (art. 319).Não obstante, é pacífico que, se a ordem legal não se relacionar com suas funções específicas, o crime será mesmo de desobediência.Observe-se, porém, que, tratando-se de ORDEM JUDICIAL, a tendência dos tribunais é enquadrar também o funcionário público no exercício de suas funções, igualando-o ao particular.PREVARICAÇÃO X DESOBEDIÊNCIAPredomina na DOUTRINA que, se o SUJEITO ATIVO é funcionário público, trata-se de PREVARICAÇÃO.Porque seria praticada por funcionário público.Os TRIBUNAIS entendem que, no caso de ORDEM JUDICIAL, configura o crime de DESOBEDIÊNCIA, ainda que praticado por funcionário público.DETALHE:O crime de desobediência consta do rol dos crimes contra a administração cometidos POR PARTICULAR.SPO Estado e o funcionário público que foi desatendido.A LEI, O REGULAMENTO, A INSTRUÇÃO, ETC.A desobediência não configura o crime de desobediência.ORDEM LEGAL A ordem formalmente legal e pessoal.A desobediência tem que ser a uma ordem emanada de tal pessoa, de maneira inequívoca, e tem que haver a PROVA de que foi intimado PESSOALMENTE, senão não haverá a caracterização do crime de desobediência.Não basta o pedido.É necessário que seja o descumprimento a uma ORDEM.EM HAVENDO SANÇÃO ADMINISTRATIVASe houver sanção administrativa prevista em lei para o descumprimento, NÃO RESTA CARACTERIZADO O CRIME.REQUISITOS:- a pessoa a quem a ordem é dirigida tem o DEVER de obedecer;- a ordem deve ser LEGAL;- FORMAL;- a intimação deve dar-se PESSOALMENTE;- não pode envolver SANÇÃO ADMINISTRATIVA.No entanto, no caso de “pagará MULTA ales das sanções ...”, é difícil configurar.PORQUE A SANÇÃO É O PREÇO DA DESOBEDIÊNCIA.Existem pessoas QUE DEVEM DESOBEDECER.São o caso do médico, do advogado.CONFLITO DE ORDENSSe houverem várias ordens a serem obedecidas, concomitantemente, com a impossibilidade de se cumprir a todas, como será a questão resolvida?DOUTRINAA doutrina afirma que deve ser obedecida a ordem da autoridade de maior hierarquia.Também afirma que deva ser obedecida a que preserva o bem jurídico de maior valor.Como estimar o bem jurídico de maior valor?Se provenientes de autoridades diferentes, caberá ao que recebeu a ordem escolher.O que não será possível é não cumprir nenhuma, por que aí desobedece a todas.DOLOGenérico.Há quem defenda o dolo específico.ÉBRIONão tem este dolo.Tem que haver a ciência inequívoca da ordem – escutar e entender.DESOBEDECERSignifica não se submeter, não cumprir.Presta-se tanto para a ação de fazer, como para a ação de deixar de fazer.AÇÃO DE FAZER – POR AÇÃOO agente faz o que lhe foi proibido.Consuma-se com a prática do ato.AÇÃO DE NÃO FAZER – POR OMISSÃO O agente não faz o que lhe é ordenado Consuma-se com o não fazer.COM PRAZOCom o escoamento do prazo para o cumprimento do ato. Com o advento do termo.PELA OMISSÃOPor tempo relevante.A ordem tem um conteúdo. Se, por exemplo, a ordem for tirar o veneno da caixa d’água, significa tirar-lo ANTES que atinja a água.TENTATIVAPossível, desde que o possa ser dividido em etapas.No entanto, na modalidade omissiva, é impossível.ERRO DE TIPOÉ o erro sobre a legalidade da ordem. Exclui o dolo.ERRO DE PROIBIÇÃOSobre o dever jurídico de obedecer, quando o agente sabe o que faz, mas imagina ser permitido: isenta de pena ou a reduz de um sexto a um terço (art. 21).“Erro sobre a ilicitude do fato Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, SE INEVITÁVEL, ISENTA DE PENA; se EVITÁVEL, poderá DIMINUÍ-la DE UM SEXTO A UM TERÇO. Parágrafo único - Considera-se EVITÁVEL o erro se o agente ATUA ou se OMITE SEM A CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE DO FATO, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.”Não há previsão para a modalidade culposa.
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331 – DESACATO
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO COMETIDOS POR PARTICULAR
331 – DESACATOA atual redação do artigo 331 originou-se no artigo 165 do Projeto Alcântara Machado.DESACATODesacato vem de accaptare (comprar, captar, adquirir), que depois evoluiu para o significado de prezar, respeitar.Desacatar é, portanto, desprezar, desrespeitar.É qualquer injusto assacado contra FUNCIONÁRIO PÚBLICO TÍPICO que esteja NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES ou que seja feito EM RAZÃO destas funções.Não é outra coisa senão uma forma especial de crime contra a honra, que tem por motivo ou ocasião a função pública exercida pela vítima (Antolisei, Manuale, PE, II, p. 363).O modo de execução é exclusivamente pessoal, exigindo-se a presença do ofendido no momento do crime.SAÉ crime comum, que pode ser praticado por qualquer PARTICULAR (extraneus).Admite-se o funcionário no pólo ativo somente quando estiver agindo como particular (à paisana).Mas este ponto é controverso, e muitos autores reconhecem o desacato proferido por funcionário público dentro ou fora das funções, haja ou não hierarquia entre o ofensor e o ofendido (Fragoso).PARA NÓSNo nosso entendimento, a ofensa irrogada por funcionário em serviço, representando a Administração, contra outro funcionário, também representando a administração, será sempre CRIME COMUM CONTRA A HONRA DO FUNCIONÁRIO, nunca contra a Administração Pública.Isto porque ninguém pode ofender a si mesmo.Cuide-se que o crime de desacato está inserido entre os crimes elencados como CONTRA A ADMINISTRAÇÃO, COMETIDOS POR PARTICULAR.ADVOGADOO advogado pode cometer o crime de desacato, como qualquer outra pessoa.SPO Estado e o funcionário público em sentido estrito.Mesmo que mais de um funcionário público seja desacatado, no mesmo episódio, o crime será ÚNICO.“Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.”NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃOA expressão refere-se ao chamado desacato in officio e diz respeito ao nexo ocasional, ou seja, o desacato é proferido na ocasião em que o funcionário está desempenhando suas atividades funcionais.Por exemplo, ofender o policial militar no momento em que está fazendo ele a ronda escolar.MOTIVO DA OFENSANesta modalidade, é irrelevante o motivo da ofensa e se ela se relaciona com a função da vítima.Basta que ela esteja desempenhando seu mister na ocasião do desacato.EM RAZÃO DA FUNÇÃORefere-se ao desacato propter officium, e diz respeito ao chamado nexo causal.O funcionário público é ofendido POR CAUSA DE SUAS FUNÇÕES.NEXO CAUSALA imputação da qualidade de gambé ao policial militar que está de folga, à paisana.O termo, na gíria criminal, significa “rato de esgoto”, e é quase que exclusivamente empregado contra policiais militares.Nesta hipótese, fica claro que a ofensa se deu em razão das FUNÇÕES do desacatado.No entanto, se o achincalhe não guardar relação com o ofício, e se o ofendido não estiver em serviço, o caso será de CRIME COMUM CONTRA A HONRA PESSOAL.ELEMENTO SUBJETIVOAlém do DOLO GENÉRICO de praticar a conduta típica, a melhor doutrina exige a presença do ELEMENTO SUBJETIVO DO INJUSTO (DOLO ESPECÍFICO), consistente no fim de DESRESPEITAR o funcionário público, ou seja, na intenção ultrajante.NÃO HAVERÁ DESACATOa) com intenção de CRITICAR;b) em manifestação de VIVACIDADE;c) durante um ACESSO DE CÓLERA ou exaltação contra o serviço público;d) em decorrência de FALTA DE EDUCAÇÃO;e) em RETORSÃO IMEDIATA À OFENSA do funcionário;f) nos EXCESSOS DE LINGUAGEM cometidos por pessoa EMBRIAGADA.ERRO SOBRE A QUALIDADE DE FUNCIONÁRIO O erro sobre a qualidade de funcionário do ofendido exclui o dolo.Não há modalidade culposa.DESACATARÉ faltar ao respeito ao funcionário, insultar, humilhar, menoscabar, achincalhar, afrontar.A conduta pode se desenvolver por palavras, gestos, risos, gritos, imitação de vozes de animais, vias de fato aviltantes, como um tapa no rosto, etc.Como as palavras e gestos têm significados diferentes e até antagônicos, conforme os sujeitos envolvidos, as circunstâncias, o tom usado e a causa determinante, pode ser que alguém profira um palavrão, com a intenção de agradar, e incida em erro de tipo, e pode ocorrer que um funcionário escute um vitupério e o tome como manifestação de apreço. O fato será, então, atípico.Assim, o CONTEÚDO, para ser considerado OFENSIVO, deve passar por três filtros:a) o significado corrente da expressão empregada;b) a intenção do agente ao emprega-la;c) a compreensão da vítima.PRESENÇA DO OFENDIDOÉ pressuposto essencial que a ofensa seja realizada na PRESENÇA FÍSICA DO FUNCIONÁRIO/VÍTIMA, embora desnecessário que estejam também outras pessoas presentes.OFENSA À DISTÂNCIAA ofensa à distância, seja por carta, telefone, fac-símile, e-mail, telégrafo, ou qualquer outro meio, constitui CRIME COMUM CONTRA A HONRA (calúnia, difamação ou injúria).Não é necessário, no entanto, que o desacato seja lançado frente a frente, podendo haver alguma distância ou mesmo até um biombo entre o ofensor e o ofendido.O importante é que o AMBIENTE SEJA O MESMO e que o desacatado tenha conhecimento direto e imediato do desacato, isto é, que possa DIRETAMENTO OUVI-LO ou PRESENCIÁ-LO de alguma forma, logo que proferido, ainda que pelo circuito interno de TV.AÇÃO X OMISSÃOEm princípio, exige-se uma ação para o preenchimento da figura típica.Mas não será impossível o desacato por omissão, como por exemplo, o não cumprimentar o funcionário que lhe estende a mão ou manter-se sentado acintosamente diante da chegada de uma autoridade superior no recinto.CONSUMAÇÃOO desacato é crime formal, consumado no instante em que o sujeito passivo PERCEBE A OFENSA, independentemente de sentir-se ultrajado, e até do seu eventual perdão.Isto porque o que está em jogo é a dignidade da função, e não a do funcionário (Hungria, Comentários).Contudo, se a vítima considerar que as palavras ou gestos não são aviltantes ou desairosos, o fato será atípico, pela ausência de desacato.Há posição doutrinária identificando o momento da consumação com aquele em que foi PROFERIDO o desacato.Sem razão, pois enquanto a vítima não CONHECER DA OFENSA estaremos ainda no inconclusivo terreno da TENTATIVA.O crime de desacato ABSORVE as VIAS DE FATO E AS LESÕES LEVES, mas compõe CONCURSO MATERIAL com LESÕES CORPORAIS GRAVES OU GRAVÍSSIMAS OU HOMICÍDIO.TENTATIVAAdmite-se o conatus nas hipóteses em que a conduta ofensiva envolve um iter, como TENTAR desferir uma bofetada no rosto do funcionário.OBJETO MATERIALÉ o funcionário público em sentido estrito.OBJETO JURÍDICOA Administração Pública, especialmente os aspectos relacionados ao seu prestígio junto aos administrados (sua dignidade e respeito).CRIME ÚNICOSe a ofensa é dirigida contra vários servidores, ao mesmo tempo, está configurado o crime único, porque o sujeito passivo é a Administração Pública, e não os agentes públicos considerados individualmente.CRÍTICA À INSTITUIÇÃOSe o agente, em meio a discussão com policial, faz críticas à instituição a que este pertence, não configura desacato.CRÍTICA AO SERVIÇOSe a referência desairosa dirige-se à maneira de administrar e à falta de sensibilidade do funcionário público, não há o dolo específico de macular e humilhar a honra.CRÍTICAS GENÉRICAS AO ÓRGÃO PÚBLICOSe as críticas, genéricas, são dirigidas ao órgão público, não tipificam o crime.DENÚNCIASe a peça não especifica no que teria consistido o desacato, remetendo-se apenas a “palavras de baixo calão”, é o caso de nulidade.Porque existe a necessidade da VERBALIZAÇÃO do CONTEÚDO dessas ofensas para a MENSURAÇÃO da afronta.No entanto, há decisões em sentido contrário.DESABAFOO caso do advogado que, ao lhe ser solicitada pelo juiz a exibição de carteira profissional, indaga-lhe se não pretende examinar também o CIC, a Cédula do RG e o atestado de vacina, constitui mero desabafo, sem a intenção deliberada de ultrajar, que constitui elemento subjetivo do tipo penal.DESCARACTERIZAÇÃODizer ao promotor não teme-lo e nem à polícia, importa menosprezo ou desprestígio, configurando tratamento pouco cordial, mas inocorrendo na tipificação do crime de desacato.EXALTAÇÃO NERVOSAAlteração de voz por parte de advogado com escrivão de cartório que não certificou o trânsito em julgado de decisão prolatada há mais de 10 dias: ausência do ânimo calmo e refletido e da intenção de humilhar.No entanto, há decisões entendendo que o descontrole emocional é irrelevante para a caracterização de delito.EXTRA OFFICIUMSe as expressões desrespeitosas forem dirigidas a funcionário que não se encontrava no exercício de função pública, não resta configurado o crime.RASGAR DOCUMENTOSe o agente, ao ser lavrado contra seu estabelecimento auto de infração, arrebata-o das mãos da autoridade, amassa-o e o joga ao chão, incide no crime de desacato.RESISTÊNCIADelito-fim que absorve o desacato.TERCEIRIZADOHá julgado considerando sujeito passivo do delito o empregado de empresa prestadora de serviços que exerce função em órgão público, que é considerado funcionário público para efeitos penais.
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329 – RESISTÊNCIA
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO COMETIDOS POR PARTICULAR329 – RESISTÊNCIA“Art. 329 - OPOR-se à execução de ato legal, MEDIANTE VIOLÊNCIA OU AMEAÇA a funcionário COMPETENTE para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando AUXÍLIO:Pena - detenção, de dois meses a dois anos.§ 1º - SE O ATO, em razão da resistência, NÃO SE EXECUTA:Pena - reclusão, de um a três anos.§ 2º - As PENAS deste artigo são APLICÁVEIS SEM PREJUÍZO das correspondentes à VIOLÊNCIA.”Este tipo trata do conflito com a autoridade no momento em que cumpre suas funções (Manfredini, Manuale, p. 270).Ocorre com o uso de violência ou ameaça contra o funcionário ou quem o está auxiliando.É preciso que a oposição se realize através de uma ação positiva. Não basta a resistência passiva.EXIGE UM ATO POSITIVO.REQUISITOS ESSENCIAIS- legalidade- que esteja na competência do resistidoSACrime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa.SPEm princípio, só o do caput do 327 – o funcionário público típico, em sentido estrito, competente para a prática do ato, além de o Estado. Também aquele que prestar auxílio, admitindo-se o extraneus.PRESTANDO AUXÍLIOO auxílio pode ser prestado por qualquer pessoa, seja compulsória ou espontaneamente, apoiando a ação do funcionário público competente.ARTIGO 327“Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.”Se QUALQUER DO POVO prender em flagrante.Se houver resistência, não cometerá este crime, porque não é funcionário público.Age como qualquer do povo.Se houverem sete funcionários públicos prendendo e os sete apanharem: comete um só crime.ATO LEGALO ato resistido tem que ser FORMAL e MATERIALMENTE LEGAL.A legalidade tem que ser tanto na FORMA, como no MODO.PRIMEIRA TESEDOS ABSOLUTISTASDão ao Estado um valor extremo.Hobbes, por exponencial: nenhum ato do Estado pode ser contestado.SEGUNDA TESEDOS ABSOLUTISTASTem como ícone Rousseau.As pessoas são livres e podem retomar a liberdade a qualquer tempo. É possível a resistência.TERCEIRA TESEBRASILAdmitimos um meio-termo.Nos conformamos com a legalidade aparente do ato.Há uma presunção de legalidade do ato.O que importa é a APARÊNCIA de legalidade.A questão da JUSTIÇA é analisada em outra instância.QUANDO ESSA RESISTÊNCIA É LEGAL?Quando o ato praticado é flagrantemente ilegal.Como a imissão de posse determinada por fiscal da limpeza pública.Flagrantemente ilegal, por falta de competência.NÃO EXISTE RESISTÊNCIA contra ato realizado, nem contra ato que vai ser realizado em um futuro remoto.INCOMPETÊNCIAA incompetência refere-se a:- lugar,- tempo,- material, ou - formalidades essenciais.Não se pode exigir um tratamento de lady de um funcionário da rota.QUEM LHE ESTEJA PRESTANDO AUXÍLIOELEMENTO SUBJETIVO DOS TRÊS PRIMEIROS CRIMES (328-usurpação de função pública, 329-resistência. 330-desobediência)- em princípio, admitem um dolo específico;- se não quer resistir, não se configura o crime, em princípio. - nos três crimes o elemento subjetivo é o DOLO ESPECÍFICO.HÁ RESISTÊNCIA DE UM BÊBADO?O dolo específico seria um fim de evitar a execução do ato.Mas existe muitos doutrinadores defendendo o dolo genérico.OPOR-SEÉ um ato POSITIVO.RESISTÊNCIA PASSIVANão configura este crime. Tanto que é preciso a VIOLÊNCIA ou a AMEAÇA.Configura a violência passiva a daquele que finca-se no lugar, para resistir.Não ameaça, não agride, apenas está.VIOLÊNCIAEsta violência tem que ser a contra a pessoa que está executando o ato OU a pessoa que está lhe prestando auxílio.HUNGRIAHungria, em posição isolada, admite a violência contra coisa ou animal que esteja servindo o ato.AMEAÇANão é exatamente a ameaça do crime de ameaça.O mal tem que ser futuro, não é preciso ser grave.Mas é preciso causar temor.A ameaça pode ser verbal ou real.AMEAÇA REALPor exemplo, se o agente empunhar um machado.QUALIFICADORADA PENA DE VIOLÊNCIAEsta é uma qualificadora de exaurimento, que agrava a situação do agente por fato posterior à consumação do delito.A lesão corporal da via de fato – o bofetão – é absorvido pela via de fato.Normalmente, o crime absorve a violência.Mas não assim nas lesões corporais e nos crimes de periclitação da vida.No caso do DESACATO e da DESOBEDIÊNCIA e também assim os delitos CONTRA A HONRA, FICAM ABSORVIDOS PELA RESISTÊNCIA.SE AQUELE QUE RESISTE OFENDER TAMBÉM O PARTICULAR QUE AUXILIA?- contra o funcionário público:Crime de desacato- contra o extraneus que auxilia:Crime contra a honra.FICAM AMBOS ABSORVIDOS pelo crime de resistência.CONSUMAÇÃODá-se com a VIOLÊNCIA ou com a AMEAÇA, independente de qualquer resultado. Assim, configura-se como CRIME FORMAL.TENTATIVAÉ admitida, desde que exista um iter.SE O ATO DEIXA DE SER PRATICADO, EM VIRTUDE DA RESISTÊNCIAIncide na agravante do parágrafo primeiro.Se o policial disser:“vamos à delegacia que eu quero ver sua ficha policial”:Não é crime resistir.Mas o policial poderá dizer que deu voz de prisão.EMBRIAGUEZIncapacidade de entender a ordem do policial.Para que se configure o crime, é necessário que a ordem emanada pela autoridade seja compreendida.O ASSALTANTE, LOGO APÓS A PROVA DO ROUBO, RESISTE À PRISÃO DOS POLICIAIS.Comete este crime?A princípio, sim.Mas, segundo os tribunais, é ABSORVIDO PELO CRIME DE ROUBO.Também se é pego na saída do roubo a banco, e resiste quando vai fugir.

USO LEGAL DA FORÇA

Uso Legal da Forçapor Luís Fernando Dias Silva Cardoso*A utilização da força é uma das funções do agente de segurança pública, desde que na situação, ela se faça necessária. Contudo, esta prática deve ser efetuada de forma moderada e legítima. O agente de segurança deve ter em mente quatro princípios básicos: a necessidade, a proporcionalidade, a ética e a legalidade, sem os quais, sua ação implicará em uma resultante incondizente com a sua atividade fim; isto é, ao invés de estar prevenindo e combatendo a violência, ele a estará gerando.É concedido ao agente de segurança pública fazer uso da força em situações que ele qualifique como necessárias. Porém, como saber qual o momento e o modo certo de empregar essa força? Esse julgamento cabe ao policial na hora em que a ocorrência surge. Mas será que ele está preparado e doutrinado para efetuar tais decisões?Presentemente, tem-se averiguado que os profissionais que concluem os cursos de formação de policiais, em todos os seus níveis, não estão sendo bem preparados. Talvez, haja uma defasagem na forma com que estes agentes estão sendo capacitados. Aprender as técnicas policiais é de suma importância para a nossa atividade. Todavia, deve-se fazer também um trabalho mais específico no que diz respeito ao trato com o cidadão, além de um estudo mais aguçado à cerca dos métodos empregados na melhoria ao atendimento à sociedade.Conforme bem disse Vianna (2000), não se deve confundir "uso legítimo da força" com violência. A polícia existe para garantir a incolumidade social. Seus membros são retirados do seio da sociedade e capacitados para exercerem a função. Teoricamente, esses profissionais de segurança recebem treinamentos específicos para que sejam qualificados como aptos para desempenharem a atividade policial. Logo, não é concebível a idéia de profissionais nesse ramo cometendo atos que firam a integridade das pessoas. Tais ações abalam a confiança da sociedade nos "mantenedores da lei".As legislações internacionais e nacionais assemelham-se bastante no que diz respeito ao tema em pauta. Em ambas, pode-se verificar um enorme apreço e importância dados aos Direitos Humanos. A legislação brasileira no Código Penal, em seu art. 24, prevê que o uso da força, só e somente só, deverá ser legitimado levando-se em consideração os seguintes termos:I - em estado de necessidade;II - em legítima defesa;III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.Já a legislação internacional é bem mais abrangente. Nela vêm especificadas normas e diretrizes de regulamentação das aplicações da força, de forma a padronizar os procedimentos julgados necessários para que a sua utilização seja legal, sem que haja violência ou excessos.O policial que fizer uso irregular da força será responsabilizado judicialmente por seus atos, sofrendo as sanções que a justiça lhe implicar. Contudo, quem sofrerá maior perda será a instituição, pois será penalizada com a desconfiança da sociedade, tendo em vista que a população passará a recear a presença dos agentes de segurança, bem como irão pôr em cheque a eficiência do serviço policial.Os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo (PBUFAF) prevêem diretrizes que estipulem meios e recursos adequados para que os profissionais da rede de segurança executem sua atividade de maneira mais eficiente, bem como propõem que o governo e entidades responsáveis regulamentem normas sobre o uso da força e armas de fogo, além de responsabilizar judicialmente aquele profissional que exercer algum tipo de irregularidade durante o exercício de sua atividade.O Código de Conduta dos Encarregados pela Aplicação da Lei (CCEAL) estabelece que é função do agente de segurança pública prestar serviços à sociedade realizando a manutenção da ordem e da paz. Os funcionários da área de segurança devem respeitar os cidadãos e zelar pela integridade dos mesmos, fazendo uso da força somente quando justificável. E, acima de tudo, os policiais devem manter a sua idoneidade. Seus princípios e valores, éticos e morais, jamais devem ser alvo de dúvida.Segundo o CCEAL, o uso da força policial deve ser comedido para situações extremas. A banalização da força é uma conduta a ser inibida. O policial militar deve a todo custo evitar entrar em atrito com o cidadão, salvo quando a situação exija o contrário. O uso de arma de fogo é mais restrito ainda. Os PBUFAF, em suas disposições específicas, no item 9, elenca as situações em que serão permitidas a utilização dessas armas. Contudo, essas disposições devem ser analisadas com mais calma. É importante contextualizar antes de padronizar.De um modo geral, as resoluções propostas possuem um caráter humanístico muito forte. E isso é muito bom. Porém, não devemos esquecer que a polícia atua de comum acordo com os indicadores sociais. Num país onde a criminalidade e a violência apresentam índices alarmantes, os agentes de segurança têm de estar preparados para responder à altura, sem descuidar de cumprir com os procedimentos legais. Vale ressaltar que a atividade policial está intimamente ligada à preservação da vida. Esta última, conceituada como sendo o bem maior de todos nós, logo deve sempre ser tratada como tal.O que diferencia o policial dos demais cidadãos e torna as suas ações legítimas é o seu conhecimento, preparo e treinamento especializados para atuar na atividade. Na falha ou na aplicação inadequada de um desses fundamentos, o policial estará sujeito à sanção, desde que não apresente uma justificativa para tal. Ter convicção em suas ações é primordial para desempenhar bem a sua função. O policial conhecedor das técnicas e procedimentos corretos dificilmente precisará ser violento, excedendo assim os limites de sua atuação.

PRINCIPIOS BASICOS DO USO DA FORÇA

PRINCÍPIOS BÁSICOS SOBRE O USO DA FORÇA E ARMAS DE FOGO PELOS FUNCIONÁRIOS RESPONSÁVEIS PELA APLICAÇÃO DA LEI
Adotados por consenso em 7 de setembro de 1990, por ocasião do Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes.
Considerando o Plano de Ação de Milão, adotado pelo Sétimo Congresso das Nações unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes e aprovado pela Assembléia Geral através da Resolução 40/32 de 29 de novembro de 1985;
Considerando também a Resolução do Sétimo Congresso pela qual o Comitê de Prevenção e Controle do Crime foi solicitado a considerar medidas visando tornar mais efetivo o Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei;
Tendo em conta, com o devido reconhecimento, o trabalho realizado em conformidade com a Resolução 14 do Sétimo Congresso, pelo Comitê, pela reunião inter-regional preparatória do Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes, relativamente às normas e diretrizes das Nações Unidas sobre prevenção do crime, justiça e execução penal e às prioridades referentes ao posterior estabelecimento de padrões, e pelas reuniões regionais preparatórias do Oitavo Congresso;
ADOTA os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei contidos no anexo à presente resolução;
RECOMENDA os Princípios Básicos para adoção e execução nacional, regional e inter-regional, levando em consideração as circunstâncias e as tradições políticas, econômicas, sociais e culturais de cada país;
CONVIDA os Estados membros a ter em conta e respeitar os Princípios Básicos no contexto da legislação e das práticas nacionais;
CONVIDA TAMBÉM os Estados membros a levar os Princípios Básicos ao conhecimento dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei e de outros agentes do Executivo, magistrados, advogados, legisladores e público em geral;
CONVIDA AINDA os Estados membros a informar o Secretário-Geral, de cinco em cinco anos, a partir de 1992, sobre o progresso alcançado na implementação dos Princípios Básicos, incluindo sua disseminação, sua incorporação à legislação, à prática, aos procedimentos e às políticas internas; sobre os problemas encontrados na aplicação dos mesmos à nível nacional, e sobre a possível necessidade de assistência da comunidade internacional, solicitando ao Secretário-Geral que transmita tais informações ao Nono Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes;
APELA a todos os governos para que promovam seminários e cursos de formação, a nível nacional e regional, sobre a função da aplicação das leis e sobre a necessidade de restrições ao uso da força e de armas de fogo pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei;
EXORTA as comissões regionais, as instituições regionais e inter-regionais encarregadas da prevenção do crime e da justiça penal, as agências especializadas e outras entidades no âmbito do sistema das Nações Unidas, outras organizações intergovernamentais interessadas e organizações não-governamentais com estatuto consultivo junto ao Conselho Econômico e Social, para que participem ativamente da implementação dos Princípios Básicos e informem o Secretário-Geral sobre os esforços feitos para disseminar e implementar tais Princípios e sobre o grau em que se concretizou tal implementação, solicitando ao Secretário-Geral que inclua essas informações no seu relatório ao Nono Congresso;
APELA à Comissão de Prevenção e Controle do Crime para que considere, como questão prioritária, meios e formas de assegurar a implementação efetiva da presente resolução;
SOLICITA ao Secretário-Geral:
(a) Que tome medidas, conforme for adequado, para levar a presente resolução à atenção dos governos e de todos os órgão pertinentes das Nações Unidas, e que se encarregue de dar aos Princípios Básicos a máxima divulgação possível;
(b) Que inclua os Princípios Básicos na próxima edição da publicação das Nações Unidas intitulada Direitos Humanos: Uma Compilação de Normas Internacionais (publicação das Nações Unidas, número de venda E.88.XIV.1);
(c) Que forneça aos governos, mediante pedido dos mesmos, serviços de especialistas e consultores regionais e inter-regionais para prestação de assistência na implementação dos Princípios Básicos, e que apresente relatório ao Nono Congresso sobre a assistência e a formação técnicas prestadas;
(d) Que relate à Comissão, quando da realização da sua décima-segunda sessão, as providências tomadas visando implementar os Princípios Básicos.
SOLICITA ao Nono Congresso e respectivas reuniões preparatórias que examinem o progresso obtido na implementação dos Princípios Básicos.
ANEXO
Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei
Considerando que o trabalho dos funcionários encarregados da aplicação da lei (*) é de alta relevância e que, por conseguinte, é preciso manter e, sempre que necessário, melhorar as condições de trabalho e estatutárias desses funcionários;
(*) De acordo com as observações relativas ao artigo 10 do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, a expressão encarregados da aplicação da lei" refere-se a todos os executores da lei, nomeados ou eleitos, que exerçam poderes de natureza policial, especialmente o poder de efetuar detenções ou prisões. Nos países em que os poderes policiais são exercidos por autoridades militares, uniformizadas ou não, ou por forças de segurança do Estado, a definição de encarregados da aplicação da lei" deverá incluir os agentes desses serviços.
Considerando que qualquer ameaça à vida e à segurança dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei deve ser encarada como uma ameaça à estabilidade da sociedade em geral;
Considerando que as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros prevêem as circunstâncias nas quais é aceitável o uso da força pelos funcionários das prisões, no cumprimento das suas obrigações;
Considerando que o artigo 30 do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei prevê que os funcionários encarregados da aplicação da lei somente podem fazer uso da força quando estritamente necessário e no grau em que for essencial ao desempenho das suas funções;
Considerando que a reunião preparatória para o Sétimo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes, realizada em Varena, Itália, chegou a um acordo sobre os elementos a serem considerados nos trabalhos posteriores sobre as limitações ao uso da força e de armas de fogo pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei;
Considerando que o Sétimo Congresso, através da 14ª Resolução, salientou, entre outras coisas, que o uso da força e de armas de fogo pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei deve ser aferido pelo devido respeito aos direitos humanos;
Considerando que o Conselho Econômico e Social, na sua Resolução 1986/10, seção IX, de 21 de maio de 1986, recomendou aos Estados membros darem uma especial atenção, por ocasião da implementação do Código, ao uso da força e de armas de fogo pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei, e que a Assembléia Geral, na sua Resolução 41/149, de 4 de dezembro de 1986, dentre outras coisas corroborou aquela recomendação do Conselho;
Considerando ser justo que, com a devida consideração pela segurança pessoal desses funcionários, seja levado em conta o papel dos responsáveis pela aplicação da lei em relação à administração da justiça, à proteção do direito à vida, à liberdade e à segurança da pessoa humana, à responsabilidade desses funcionários por velar pela segurança pública e pela paz social e à importância das habilitações, da formação e da conduta dos mesmos,
Os Princípios Básicos enunciados a seguir, que foram formulados com o propósito de assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missão dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei, devem ser tomados em consideração e respeitados pelos governos no âmbito da legislação e da prática nacionais, e levados ao conhecimento dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei e de outras pessoas, tais como juízes, agentes do Ministério Público, advogados, membros do Executivo e do Legislativo, bem como do público em geral.
Disposições gerais
1. Os governos e entidades responsáveis pela aplicação da lei deverão adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da força e de armas de fogo pelos responsáveis pela aplicação da lei. Na elaboração de tais normas e regulamentos, os governos e entidades responsáveis pela aplicação da lei devem examinar constante e minuciosamente as questões de natureza ética associadas ao uso da força e de armas de fogo.
2. Os governos e entidades responsáveis pela aplicação da lei deverão preparar uma série tão ampla quanto possível de meios e equipar os responsáveis pela aplicação da lei com uma variedade de tipos de armas e munições que permitam o uso diferenciado da força e de armas de fogo. Tais providências deverão incluir o aperfeiçoamento de armas incapacitantes não-letais, para uso nas situações adequadas, com o propósito de limitar cada vez mais a aplicação de meios capazes de causar morte ou ferimentos às pessoas. Com idêntica finalidade, deverão equipar os encarregados da aplicação da lei com equipamento de legítima defesa, como escudos, capacetes, coletes à prova de bala e veículos à prova de bala, a fim de se reduzir a necessidade do emprego de armas de qualquer espécie.
3. O aperfeiçoamento e a distribuição de armas incapacitantes não-letais devem ser avaliados com cuidado, visando minimizar o perigo para as pessoas não envolvidas, devendo o uso de tais armas ser cuidadosamente controlado.
4. No cumprimento das suas funções, os responsáveis pela aplicação da lei devem, na medida do possível, aplicar meios não-violentos antes de recorrer ao uso da força e armas de fogo. O recurso às mesmas só é aceitável quando os outros meios se revelarem ineficazes ou incapazes de produzirem o resultado pretendido.
5. Sempre que o uso legítimo da força e de armas de fogo for inevitável, os responsáveis pela aplicação da lei deverão:
(a) Exercer moderação no uso de tais recursos e agir na proporção da gravidade da infração e do objetivo legítimo a ser alcançado;
(b) Minimizar danos e ferimentos, e respeitar e preservar a vida humana;
(c) Assegurar que qualquer indivíduo ferido ou afetado receba assistência e cuidados médicos o mais rápido possível;
(d) Garantir que os familiares ou amigos íntimos da pessoa ferida ou afetada sejam notificados o mais depressa possível.
6. Sempre que o uso da força e de armas de fogo pelos responsáveis pela aplicação da lei der causa a ferimento ou morte, os mesmos deverão comunicar imediatamente o fato aos seus superiores, nos termos do Princípio 22.
7. Os governos deverão assegurar que o uso arbitrário ou abusivo da força e de armas de fogo por responsáveis pela aplicação da lei seja punido como delito criminal, de acordo com a legislação em vigor.
8. Não será aceitável invocar circunstâncias excepcionais, tais como instabilidade política interna ou outras situações de emergência pública, como justificativa para o abandono destes princípios básicos.
Disposições específicas
9. Os responsáveis pela aplicação da lei não usarão armas de fogo contra pessoas, exceto em casos de legítima defesa própria ou de outrem contra ameaça iminente de morte ou ferimento grave; para impedir a perpetração de crime particularmente grave que envolva séria ameaça à vida; para efetuar a prisão de alguém que represente tal risco e resista à autoridade; ou para impedir a fuga de tal indivíduo, e isso apenas nos casos em que outros meios menos extremados revelem-se insuficientes para atingir tais objetivos. Em qualquer caso, o uso letal intencional de armas de fogo só poderá ser feito quando estritamente inevitável à proteção da vida.
10. Nas circunstâncias previstas no Princípio 9, os responsáveis pela aplicação da lei deverão identificar-se como tais e avisar prévia e claramente a respeito da sua intenção de recorrer ao uso de armas de fogo, com tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideração, a não ser quando tal procedimento represente um risco indevido para os responsáveis pela aplicação da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave, ou seja claramente inadequado ou inútil dadas as circunstâncias do caso.
11. As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos responsáveis pela aplicação da lei deverão incluir diretrizes que:
(a) Especifiquem as circunstâncias nas quais os responsáveis pela aplicação da lei estão autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os tipos de armas e munições permitidas;
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstâncias apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessário;
(c) Proíbam o uso de armas de fogo e munições que causem ferimentos injustificáveis ou representem riscos injustificáveis;
(d) Regulamentem o controle, o armazenamento e a distribuição de armas de fogo, o que deverá incluir procedimentos para assegurar que os responsáveis pela aplicação da lei sejam considerados responsáveis pelas armas de fogo e munições a eles confiadas;
(e) Providenciem avisos, quando apropriado, previamente ao disparo de armas de fogo;
(f) Prevejam um sistema de comunicação aos superiores sempre que os responsáveis pela aplicação da lei fizerem uso de armas de fogo no desempenho das suas funções.
Policiamento de reuniões ilegais
12. Como todos têm o direito de participar de reuniões legítimas e pacíficas, de acordo com os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, os governos, entidades e os responsáveis pela aplicação da lei deverão reconhecer que a força e as armas de fogo só podem ser usadas nos termos dos Princípios 13 e 14.
13. Ao dispersar grupos ilegais mas não-violentos, os responsáveis pela aplicação da lei deverão evitar o uso da força, ou quando tal não for possível, deverão restringir tal força ao mínimo necessário.
14. Ao dispersar grupos violentos, os responsáveis pela aplicação da lei só poderão fazer uso de armas de fogo quando não for possível usar outros meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessários. Os responsáveis pela aplicação da lei não deverão fazer uso de armas de fogo em tais casos, a não ser nas condições previstas no Princípio 9.
Policiamento de indivíduos sob custódia ou detenção
15. Ao lidarem com indivíduos sob custódia ou detenção, os responsáveis pela aplicação da lei não farão uso da força, exceto quando tal for estritamente necessário para manter a segurança e a ordem na instituição, ou quando existir ameaça à segurança pessoal.
16. Ao lidarem com indivíduos sob custódia ou detenção, os responsáveis pela aplicação da lei não farão uso de armas de fogo, exceto em legítima defesa ou em defesa de outrem contra ameaça iminente de morte ou ferimento grave, ou quando for estritamente necessário para impedir a fuga de indivíduo sob custódia ou detenção que represente perigo do tipo descrito no Princípio 9.
17. Os princípios acima enunciados não prejudicam os direitos, deveres e responsabilidades dos funcionários das prisões, consoante o estabelecido nas Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, em especial nas normas números 33, 34 e 54.
Habilitação, formação e orientação
18. Os governos e organismos encarregados da aplicação da lei cuidarão para que todo o pessoal responsável pela aplicação da lei seja selecionado por meio de processos adequados de seleção, tenha as qualidades morais, psicológicas e físicas adequadas ao exercício efetivo de suas funções e seja submetido a formação profissional contínua e meticulosa. A continuidade da aptidão desse pessoal para o desempenho das respectivas funções deve ser verificada periodicamente.
19. Os governos e organismos encarregados da aplicação da lei deverão assegurar que todos os responsáveis pela aplicação da lei recebam treinamento e sejam examinados com base em padrões adequados de competência para o uso da força. Os responsáveis pela aplicação da lei que tenham de trazer consigo armas de fogo só devem receber autorização para fazê-lo após terem completado o treino necessário relativamente ao uso de tais armas.
20. Na formação profissional dos responsáveis pela aplicação da lei, os governos e organismos encarregados da aplicação da lei devem dedicar atenção especial às questões de ética policial e direitos humanos, especialmente durante o processo de investigação; a alternativas ao uso da força e armas de fogo, incluindo a solução pacífica de conflitos, a compreensão do comportamento das multidões e os métodos de persuasão, negociação e mediação, bem como os meios técnicos, destinados a limitar o uso da força e armas de fogo. Os órgãos encarregados da aplicação da lei devem rever os seus programas de treinamento e procedimentos operacionais à luz de eventuais incidentes concretos.
21. Os governos e organismos encarregados da aplicação da lei devem proporcionar orientação sobre tensão psicológica aos responsáveis pela aplicação da lei envolvidos em situações em que haja o uso da força e de armas de fogo.
Procedimentos de comunicação e revisão
22. Os governos e organismos encarregados da aplicação da lei deverão estabelecer procedimentos eficazes de comunicação e revisão, aplicáveis a todos os incidentes mencionados nos Princípios 6 e 11 (f). Para os incidentes relatados de acordo com esses princípios, os governos e organismos encarregados da aplicação da lei deverão assegurar que exista um processo de revisão efetivo e que autoridades administrativas ou de perseguição criminal independentes tenham condições de exercer jurisdição nas circunstâncias apropriadas. Nos casos de morte e ferimento grave ou outras conseqüências sérias, um relatório pormenorizado deve ser prontamente enviado às autoridades competentes responsáveis pelo controle administrativo e judicial.
23. Os indivíduos afetados pelo uso da força e armas de fogo, ou seus representantes legais, devem ter direito a um inquérito independente, incluindo um processo judicial. Em caso de morte desses indivíduos, a presente disposição aplicar-se-á de forma correspondente aos seus dependentes.
24. Os governos e organismos encarregados da aplicação da lei deverão assegurar que os oficiais superiores sejam responsabilizados caso tenham ou devam ter tido conhecimento de que responsáveis pela aplicação da lei sob seu comando estão, ou tenham estado, recorrendo ao uso ilegítimo da força e armas de fogo, e caso os referidos oficiais não tenham tomado todas as providências ao seu alcance a fim de impedir, reprimir ou comunicar tal uso.
25. Os governos e organismos encarregados da aplicação da lei deverão assegurar que não seja imposta qualquer sanção criminal ou disciplinar a responsáveis pela aplicação da lei que, de acordo com o Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei e com estes Princípios Básicos, recusem-se a cumprir uma ordem para usar força e armas de fogo, ou que denunciem tal uso por outros responsáveis pela aplicação da lei.
26. O cumprimento de ordens superiores não constituirá justificativa quando os responsáveis pela aplicação da lei tenham conhecimento de que uma ordem para usar força e armas de fogo, que tenha resultado na morte ou em ferimento grave a alguém, foi manifestamente ilegítima e caso os referidos responsáveis tenham tido oportunidade razoável de se recusarem a cumprir essa ordem. Em qualquer caso, a responsabilidade caberá também aos superiores que tenham dado ordens ilegítimas.