sexta-feira, 2 de maio de 2008

REFORMA CONSTITUCIONAL

Primeiros comentários sobre a Reforma Constitucional da Justiça Militar estadual e seus efeitos
Ronaldo João Roth


Primeiros comentários sobre a Reforma Constitucional da Justiça Militar estadual e seus efeitos, e a reforma que depende agora dos operadores do Direito



Ronaldo João Roth
Juiz de Direito da 1a Auditoria Militar do Estado de São Paulo e Membro da Academia Mineira de Direito Militar



1.0 Introdução. Depois de quase 12 anos de tramitação no Legislativo Federal, o constituinte derivado concluiu parte da tão aguardada Reforma do Poder Judiciário, promulgando a Emenda Constitucional (EC) n. 45, a qual foi aprovada em 08.12.04 e publicada em 31.12.04.

Alguns pontos inseridos ou modificados pelo Senado Federal retornaram à Câmara dos Deputados para votação e seguimento da parte pendente da Reforma.

É de se registrar que a referida discussão sobre a Reforma do Judiciário tramitou desde 1992 no Congresso Nacional, na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 96/92, sendo que em janeiro de 2000 chegou ao Senado da República como a PEC 29/2000.

Dentre as novidades houve a criação de um controle externo do Judiciário (já contestado por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade interposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros, todavia, rejeitada, por maioria de votos, pelo Supremo Tribunal Federal), a criação das súmulas vinculantes, a extinção dos Tribunais de Alçada, a federalização dos crimes contra direitos humanos, a “quarentena” que proíbe os juízes que se aposentarem ou se afastarem, ou, se exonerados, de exercer a Advocacia nos próximos três anos, a autonomia para as Defensorias Públicas, a ampliação da experiência em atividade jurídica para três anos ao bacharel em direito que queira ingressar na carreira da Magistratura (anteriormente a exigência da experiência em atividade jurídica era de dois anos), o estabelecimento da atividade jurisdicional ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, o asseguramento a um prazo razoável de duração do processo judicial e administrativo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, a ampliação da competência da Justiça do Trabalho, a ampliação da competência da Justiça Militar estadual etc.

Não fossem aquelas inovações, a EC n. 45 instituiu ainda o controle externo também para o Ministério Público.

Pois bem, dentre as inovações trazidas pela EC n. 45, interessa-nos neste breve trabalho tratar das questões pertinentes à Justiça Militar estadual.

É de se registrar, primeiramente, que nenhuma alteração houve com relação à Justiça Militar da União, todavia, em relação a esta pende de votação a proposta de alteração da composição do Superior Tribunal Militar, reduzindo o número de Ministros para onze (art. 123) - atualmente são quinze -, além da ampliação de competência para o controle jurisdicional sobre as punições disciplinares aplicadas aos membros das Forças Armadas (art. 124), matéria essa - que como outra parte da Reforma, cuja modificação ou inserção ocorreu no Senado, constando do Projeto 29-A, de 2000 - retornou à Câmara dos Deputados para a apreciação e votação.

As alterações da Reforma do Judiciário quanto à Justiça Militar estadual caminharam na ampliação desse ramo Especializado do Poder Judiciário, o qual tutela os valores das Instituições Militares estaduais, ou seja, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar, que são forças auxiliares e reserva do Exército Brasileiro.(1)

O Texto Magno anterior tinha a seguinte redação:

“Art. 125. ....................................
....................................................

§ 3o A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos Conselhos de Justiça e, em segundo, pelo Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo da polícia militar seja superior a vinte mil integrantes.

§ 4o Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares, definidos em lei, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças”.

Assim, o Texto Magno Reformado, pela EC n. 45, ficou com a seguinte redação:

“Art. 125. ....................................
....................................................

§ 3o A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes.

§ 4o Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações civis contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.

§ 5o Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra os atos disciplinares militares, cabendo aos Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares”.

Observa-se, de imediato, que o constituinte derivado criou o parágrafo quinto para o artigo 125 da Constituição Federal e trouxe substanciais inovações para a Justiça Militar, não somente aumentando a sua competência – agora inserindo, além da tradicional competência criminal, a competência civil especializada nas ações civis contra atos disciplinares militares -, mas também cindindo a competência do órgão jurisdicional de primeiro grau, atribuindo matéria de competência do órgão colegiado (Conselho de Justiça) e matéria de competência do juiz singular (juiz de direito) ou monocrático.

Comparando-se o Texto reformado com o Texto Constitucional anterior, observa-se, de maneira resumida, que: a Justiça Militar teve ampliada a sua competência, adicionando a sua competência criminal às ações judiciais contra os atos disciplinares; ocorreu a instituição de competência interna singular ao juiz de direito, alterando a antiga denominação da legislação infraconstitucional de juiz auditor, e atribuindo-lhe o processo e o julgamento dos crimes contra vítima civil e das ações judiciais contra atos disciplinares, ao lado da competência colegiada do Conselho de Justiça para os demais casos; a presidência dos Conselhos de Justiça passou agora ao juiz de direito; e a Justiça Militar não possui mais a competência para os casos de competência do tribunal do júri.

Dentre as referidas alterações, o novel Texto estabeleceu o juiz de direito do juízo militar que ainda, pela legislação infraconstitucional, denomina-se juiz-auditor, fortalecendo sua atuação perante o Escabinato (Conselho de Justiça) e conferindo-lhe papel preponderante dentre os cinco juízes daquele Colegiado, com a presidência.

O significado de escabinato ou escabinado, segundo pontifica Gilberto Valente Martins, “é um tribunal colegiado misto, composto de juízes togados e juízes leigos, todos com voz, diferenciando-se do Tribunal do Júri em razão de não possuir o juiz togado direito de voto, somente voz.” O escabinato é “muito difundido não só na Justiça Militar, como também da Justiça Penal comum na maioria dos países civilizados, como as Cours d’Assisses da França, copiadas pela Bélgica e por vários cantões Suíços, como os de Berna, Neuchâtel e Vaud, as Cortes d’Assisses italianas, o Schwurgericht e o Schoffengericht alemães, de natureza eminentemente democrática”(2) (g. n.).

O tema propicia abordagens da matéria de competência do segmento do Poder Judiciário Especializado e um dos mais antigos no Brasil, o qual encontra a sua legitimação na atuação presente do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil, nas sessões públicas da Justiça Militar, de primeira e de segunda instância.

Certo é também que esse campo do direito público, apesar de sua antigüidade indiscutível, é um dos mais desconhecidos, não somente diante da comunidade jurídica, mas também fora dela, explicada até pela inexistência de disciplina sobre o Direito Militar na graduação de direito.

Veja que a propósito o ensino do Direito Militar já foi matéria obrigatória do quinto ano de direito no período de 1925 a 1930, consoante a legislação vigente à época, tornando-se, após, facultativa a existência dessa matéria no currículo da graduação do Direito, e hoje praticamente é inexistente esse ensino em nosso país, com raras exceções, como as Academias Militares e em poucas Faculdades de Direito.(3)

Apesar disso, o que se verifica na comunidade jurídica é o interesse e a procura desse conhecimento por parte, em especial, de estudantes de direito e de advogados, os quais podem ampliar o segmento profissional de atuação no Direito Militar: seja na matéria criminal, seja na matéria civil, seja na matéria administrativa disciplinar.

Não é por outro motivo que o Evento promovido pela Escola Superior do Ministério Público (ESMP) do Estado de São Paulo, denominado I Seminário de Direito Penal Militar e Processual Penal Militar, em 30 e 31 de agosto de 2004, foi o de maior público até agora registrado nos Eventos da referida Escola, tendo alcançado, como afirma o ínclito Promotor de Justiça assessor da ESPM Edgard Moreira da Silva, 800 participantes (quatrocentos civis e quatrocentos militares), o que comprova o interesse da comunidade jurídica sobre o Direito Militar.(4)

Assim, com a chancela do Diretor da ESMP, o Procurador de Justiça Luiz Daniel Pereira Cintra, é de se registrar suas palavras na apresentação da obra daquele Evento que: “Realmente, procedendo a uma breve incursão na literatura jurídica, constatamos a escassez de doutrina no âmbito do Direito Militar e Direito Administrativo Disciplinar Militar, fato que, aliado à ausência do ensino desse ramo do Direito atualmente nas Universidades brasileiras – o ensino do Direito Militar foi disciplina obrigatória no Brasil para o 5o ano do Curso de Direito, no período compreendido entre 1925 a 1930 -, realça a relevância da presente publicação. A isso somamos a longevidade do Direito Militar no mundo – disciplinado desde o período romano -, e, no Brasil, ganhou contornos legislativos a partir da proclamação da República, com a edição do Código Penal da Armada, em 1891. A Justiça Militar recebeu disciplina constitucional a partir da Carta Magna de 1934 (art. 5o, XIX, alínea “l”). No âmbito Estadual, ela surgiu com Lei Federal n. 192, de 17.01.1936, ocasião em que as Polícias Militares passaram à condição de reservas do Exército brasileiro. Com isso, em São Paulo, a Justiça Militar foi criada pela Lei Estadual n. 2.856, de 08.01.1937 e oficialmente instalada em fevereiro do mesmo ano.” (5)

2.0 Desenvolvimento. A Justiça Militar – tanto a da União quanto a dos Estados – é uma das Justiças Especializadas do nosso Poder Judiciário, ao lado da Justiça Eleitoral e da Justiça Trabalhista, e, como se falou, a mais antiga delas.

2.1 Da importância da Justiça Militar no Brasil. Falar sobre esse segmento especializado do Poder Judiciário impõe verificar o ambiente de atuação da Justiça Castrense e constatar que a mesma cuida de matéria afeta às Instituições Militares, aos militares, com valores e bens todos próprios, tutelados por uma legislação específica e que difere e muito da legislação comum.

Não é por outro motivo que Clemenceau, distinguindo a atuação do juiz militar, declarou com precisão a seguinte frase: “Como há uma sociedade civil fundada sobre a liberdade, há uma sociedade militar fundada sobre a obediência, e o Juiz da liberdade não pode ser o mesmo da obediência.”

Em pronunciamento público na Justiça Militar do Estado de São Paulo, em 20.3.2002, o Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, José Geraldo Brito Filomeno(6) , destacando o artigo “Da Justiça Militar – Primórdios – Sua implantação no Brasil Competência – A Justiça Militar dos Estados e, em particular, de São Paulo” assim se posicionou em relação à Justiça Militar, salientando que privilégio deriva de dois termos latinos: privus (aquilo que é de alguém, particularmente, por suas condições peculiares ou especiais) mais legum (lei), e que a Justiça Militar se constitui num foro especial em decorrência das peculiaridades dos fatos e pessoas que nestes se envolvem.

Em seguida Filomeno, falando em nome do Ministério Público Paulista, trouxe a lume a lição de Barbalho “quanto aos crimes previstos pela lei militar, uma jurisdição especial deve existir; não como privilégio dos indivíduos que os praticam, mas atenta à natureza desses crimes, e a necessidade, a bem da disciplina, de uma repressão pronta e firme, com fórmulas sumárias”; e lembrou João Vieira de Araújo, asseverando que não representa a Justiça Militar “um privilégio pessoal ou uma prerrogativa de corporação ou seita; sua ordenação provém da essência do serviço militar, a qual não admite que a disciplina fique perturbada ou enfraquecida”. Finalizando, asseverou que a competência da Justiça Militar, como entende o autor citado, “é uma exceção de severidade, e não de favor”.

Naquele mesmo sentido, a lição do eminente Ministro Moreira Alves, do Supremo Tribunal Federal: “sempre haverá uma Justiça Militar, pois o juiz singular, por mais competente que seja, não pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas, não estando, pois, em condições de ponderar a influência de determinados ilícitos na hierarquia e disciplina das Forças Armadas”.(7)

Reafirmando a necessidade da existência da Justiça Militar, importantes são as palavras do presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Carlos Mário da Silva Velloso, em 27.05.99: “Numa época em que cada vez mais há especialização do direito, falar na extinção da Justiça do Trabalho, ou na extinção do seu Tribunal Superior é outro contra-senso (...) Não há falar, também, em extinção da Justiça Militar. Ela tem a sua razão de ser. As corporações militares assentam-se na hierarquia e na disciplina. Se claudicar a disciplina, aquelas corporações podem se transformar em bandos armados. A Justiça Militar deve julgar, com rapidez e com observância de peculiaridades inerentes à disciplina e hierarquia militares. É claro que o conceito de crime militar deve ser aperfeiçoado, em termos científicos. De outro lado, o número de juízes dos Tribunais Militares, inclusive do Superior Tribunal Militar, pode ser reduzido, tendo em vista o número de processos que são ali julgados”.(8)

Por fim, José Cretella Júnior leciona: “Decorre a Justiça Militar da própria natureza da vida, da disciplina, da atividade e da finalidade inerente à classe militar. De iure condendo, impossível suprimir o aparelhamento judiciário militar, peculiar às Forças Armadas. Possível, entretanto, é aumentar esse aparelhamento, estendê-lo, limitá-lo ou diminuí-lo. Os militares, acusados de crime militar, não seriam julgados com justiça e eqüidade se órgãos jurisdicionais comuns, integrados por civis, e, pois, estranhos às peculiaridades da vida militar, fossem encarregados de aplicar a legislação especial a que estão sujeitos”. (9)

Como vemos, a Justiça Militar, historicamente, tem sua importância ligada às Instituições Militares e foi ela instituída no Brasil com o advento da vinda da família real, fugindo das tropas francesas de Napoleão Bonaparte e comandadas pelo General Junot, isso por meio do Alvará de 1o de abril de 1808, baixado por D. João VI(10) , enquanto “o nosso direito penal militar se originou das raízes latinas, jus castrensis romanorum, ou seja, o direito dos acampamentos romanos, de origens remotas, séculos I e II da era Cristã.” (11)

2.2 Da criação do Tribunal de Justiça Militar. A Justiça Militar possui, no âmbito estadual, realidades distintas quanto ao órgão de Segundo Grau: o Tribunal de Justiça é a Corte competente naquela matéria em vinte e três Estados e no Distrito Federal; e o Tribunal de Justiça Militar nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

As três Cortes Militares já existiam bem anteriormente à Constituição de 1988, logo, foram mantidas pelo Texto Magno, no entanto, para criação de novas Cortes Militares foram instituídos alguns requisitos.

Dessa forma, o Texto Constitucional, quanto à criação do Tribunal de Justiça Militar, disciplinou-o em seu § 3o do artigo 125, e, mantendo a permanência condicionada ao efetivo da Instituição Militar estadual, com maior precisão agora o constituinte derivado vinculou a possibilidade da existência daquela Justiça Especializada diante do requisito quantitativo de militares no Estado, ou seja, ao efetivo militar estadual superior a vinte mil integrantes e não ao efetivo da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militares, como ocorria no Texto anterior.

É que a expressão efetivo militar estadual engloba o efetivo da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiro Militar, Instituições essas que integram o sistema de segurança pública brasileiro, consoante explicitado na Carta Magna (artigo 144, V, e § 6o).

Ocorre que em alguns Estados essas duas Corporações integram uma mesma Instituição, como é o exemplo o Estado de São Paulo, sendo certo que na maioria dos Estados existem separadamente as duas Instituições militares estaduais.

Veja que a estrutura da Justiça Militar estadual no Brasil, inclusive a do Distrito Federal, é constituída de uma Auditoria Militar (o que equivale dizer uma Vara Judicial), na Primeira Instância, e do Tribunal de Justiça, na Segunda Instância, exceto nos três Estados que já possuíam os Tribunais de Justiça Militar, antes mesmo da Constituição de 1946, ou seja: o Estado de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

A composição dos referidos Colegiados na Justiça Militar se marca pela presença de um juízo misto de civis e militares, assim na Primeira Instância, os Conselhos de Justiça são constituídos de um juiz de direito e de quatro juízes militares, ao passo que o Tribunal de Justiça Militar também é composto de juízes civis e militares.

Hoje, portanto, é certo que vários Estados já possuem o efetivo militar superior a vinte mil integrantes da soma das duas Instituições militares (Polícia Militar e Corpo de Bombeiro Militar), logo, basta, então, a iniciativa de lei do Tribunal de Justiça correspondente para a criação da Corte Militar.

Nesse sentido, Estados como o do Rio de Janeiro, Paraná, Bahia e Pernambuco já possuem o requisito mínimo de jurisdicionados para criação do Tribunal de Justiça Militar.

É indiscutível que a criação da Corte Militar fortalece a disciplina militar das Instituições militares estaduais, uma vez que o exame das questões de Direito Militar são feitas de maneira especializada pelo Órgão competente do Poder Judiciário.

2.3 Da competência da Justiça Militar. A competência da Justiça Militar estadual foi ampliada na Reforma do Judiciário, como se viu, logo, aos Órgãos de Primeira e de Segunda Instância cabem a competência para processar e julgar os crimes militares praticados pelos militares estaduais, além de agora competir processar e julgar as ações judiciais contra atos disciplinares militares, e ao Órgão de Segunda Instância, além da competência recursal naquelas matérias, a competência originária de decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.

A competência da Segunda Instância da Justiça Militar estadual, bem como a da Segunda Instância da Justiça Militar da União, antes da EC n. 45, coincidiam na apreciação de matéria criminal militar e ética-disciplinar-militar, agora depois daquela, a Justiça Militar estadual ganhou a competência civil para as ações judiciais contra atos disciplinares.

Pois bem, os recursos da Primeira Instância são julgados pelo Órgão de Segundo Grau da Justiça Militar estadual (Tribunal de Justiça ou Tribunal de Justiça Militar) e este - além da competência originária para processar e julgar, como ocorre aqui no Estado de São Paulo, o Comandante-Geral da Polícia Militar e o Chefe da Casa Militar do Governador (art. 81, I, da Constituição Paulista), quando estas autoridades pratiquem crime militar – é competente para decretar a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças (artigo 125, § 4o, in fine, da CF).

2.4 Das ações civis contra atos disciplinares. Note-se, pois, que a ampliação da competência da Justiça Militar na Segunda Instância leva agora o Tribunal de Justiça Militar, nos três Estados mencionados (SP, MG e RS), a apreciar as ações civis contra os atos disciplinares, não se alterando, na prática, o exame dessas mesmas questões nas demais 24 (vinte e quatro) unidades federadas, uma vez que é o próprio Tribunal de Justiça que continuará decidindo essa matéria.

Essas ações civis que até então tramitavam perante as Varas da Fazenda Pública passarão agora ao exame da Justiça Militar e tal mudança irá sim ocasionar uma elevação de serviço judiciário na Primeira Instância da Justiça Militar e nos Tribunais de Justiça Militar existentes no Brasil.

Na Primeira Instância castrense, compete ao juiz de direito processar e julgar as ações civis contra os atos disciplinares e não ao Conselho de Justiça.

Note-se que as ações civis contra atos disciplinares irão albergar um número específico de casos que envolvam atos punitivos decorrentes do Poder Disciplinar do Comandante em relação aos seus subordinados, e, em especial, embasados no Regulamento Disciplinar da Polícia Militar (cite-se o exemplo do Estado de São Paulo, que dispõe da matéria na Lei Complementar n. 813/01).

Com precisão, Marcelo José da Costa, ao comentar o referido Estatuto Disciplinar, afirma que “A sanção disciplinar, sinônimo de punição disciplinar ou pena administrativa, vem a ser o resultado final de uma complexa apuração por meio de um processo administrativo disciplinar, onde o objetivo final da sanção disciplinar é aplicar ao infrator uma medida de cunho disciplinar visando restabelecer um mandamento regulamentar violado.” (11)

Assim, as punições (sanções) disciplinares elencadas no referido Estatuto Disciplinar da Polícia Militar do Estado de São Paulo são: “I - advertência; II – repreensão; III – permanência disciplinar; IV – detenção; V – reforma administrativa disciplinar; VI – demissão; VII – expulsão; VIII – proibição do uso de uniforme.” (art. 14), logo, a ocorrência de qualquer dessas sanções, se levadas à apreciação do Poder Judiciário, para serem anuladas, agora, deverão ser ajuizadas na Justiça Militar estadual, devendo os processos que estão nas Varas da Fazenda Pública serem remetidos, por incompetência absoluta nessa matéria, para a Justiça Castrense estadual.

As punições disciplinares, porque importam até restrição de liberdade, são tão relevantes que foram tratadas pelo Texto Magno no capítulo dos direitos e garantias individuais ao se conferir à aplicação delas a desnecessidade de autorização judicial (art. 5o, LXI) e ainda a limitação do habeas corpus (§ 2o do art. 142).

Observa-se que o rol de punições disciplinares elencadas no Estatuto Disciplinar da gloriosa Polícia Militar Bandeirante contém sanções que restringem a liberdade individual, sem o gravame do confinamento ou recolhimento em cela, como é o caso da permanência disciplinar e da detenção, todavia, limitando o direito de ir e vir do militar que fica na Unidade Militar; além de sanções de caráter exclusório da Instituição Militar, como ocorrem com a reforma administrativa, a demissão e a expulsão; de caráter admonitório, como ocorre com a advertência e a repreensão; e de caráter restritivo de direito, como é o caso da proibição de uniformes, logo, uma série de efeitos jurídicos daí decorrem ao militar que, afora o direito de recorrer administrativamente de tais sanções, pode levar tais atos administrativos ao exame do Poder Judiciário.

Essa matéria tomou relevo, a partir da Constituição de 1988, pois, como asseveramos outrora: “é com nascedouro na Constituição Federal de 1988 que também o processo para a instrução e o julgamento da transgressão disciplinar sofreu a jurisdicionalização com a incidência dos princípios do devido processo legal e do contraditório e da ampla defesa, impondo como corolário a aplicação de outros princípios constitucionais, como o da inadmissibilidade de provas ilícitas, a obrigatoriedade de comunicação da prisão ao juiz, a irretroatividade da lei punitiva, salvo para beneficiar o réu, a obrigatoriedade da motivação nos julgamentos das transgressões disciplinares etc.” (13)

Não é por outro motivo que a aplicação do Regulamento Disciplinar “impõe a todo aquele que, direta ou indiretamente, venha a socorrer-se desse Estatuto a observância daqueles princípios, sob pena de nulidade do processamento de transgressão disciplinar; cabendo aqui a aplicação da importante lição de Celso Antônio Bandeira de Mello: ‘Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa ingerência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.”(14)

Não resta dúvida de que o ato punitivo disciplinar do militar quando submetido ao controle da Justiça Militar sujeitará aquele ato administrativo ao controle da legalidade, incluindo o exame da proporcionalidade e da razoabilidade que, como ensina José Armando da Costa, “insere-se não no mérito do ato disciplinar, e sim como elemento integrativo de sua extensão de legalidade”. E como tal, a proporcionalidade da punição funcional vincula o detentor do poder disciplinar, constituindo, pois, aspecto extrínseco acessível ao exame do judiciário, como muito bem infere o Sumo Pretório:

‘A legalidade do ato administrativo, cujo controle cabe ao Poder Judiciário, compreende não só a competência para a prática do ato e de suas formalidades extrínsecas, como também os seus requisitos substanciais, os seus motivos, os seus pressupostos de direito e de fato, desde que tais elementos sejam definidos em lei como vinculadores do ato administrativo’ (in Revista Fórum Administrativo – Ano 1, n. 3, Maio de 2001, p. 304).”(15)

Citando o mesmo autor judiciosa lição do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, reafirma, com base nestas lições ministradas, que está implícito e virtualmente incluído o princípio da proporcionalidade como mais um freio de legalidade imposto ao poder disciplinar da administração pública, até porque, quando do referido aresto, inexistia ainda a Lei n. 9.784/99, transcreve:

“1 – A Constituição Brasileira de 1988 prestigiou os instrumentos de tutela jurisdicional das liberdades individuais ou coletivas e submeteu o exercício do poder estatal – como convém a uma sociedade democrática e livre – ao controle do Poder Judiciário. Inobstante estruturalmente desiguais, as relações entre o estado e os indivíduos processam-se, no plano de nossa organização constitucional, sob o império estrito da lei. A rule of law, mais do que um simples legado histórico-cultural, constitui, no âmbito do sistema jurídico vigente no Brasil, pressuposto conceitual de estado democrático de direito e fator de contenção do arbítrio daqueles que exercem o poder. É preciso evoluir cada vez mais no sentido da completa justiciabilidade da atividade estatal e fortalecer o postulado da inafastabilidade de toda e qualquer fiscalização judicial. A progressiva redução e eliminação dos círculos de imunidade do poder há de gerar, como expressivo efeito conseqüencial, a interdição de seu exercício abusivo. O mandado de segurança desempenha, nesse contexto, uma função instrumental do maior relevo. A impugnação judicial de ato disciplinar, mediante a utilização desse writ constitucional, legitima-se em face de três situações possíveis. As decorrentes (1) da incompetência da autoridade, (2) da inobservância das formalidades essenciais e (3) da ilegalidade da sanção disciplinar. A pertinência jurídica do Mandado de Segurança, em tais hipóteses justifica a admissibilidade do controle jurisdicional sobre a legalidade dos atos punitivos emanados da administração pública no concreto exercício do seu poder disciplinar. O que os Juízes e Tribunais somente não podem examinar, nesse tema, até mesmo como natural decorrência do princípio da separação de poderes, são a conveniência, a utilidade, a oportunidade e a necessidade da punição disciplinar, isso não significa, porém, a impossibilidade de o judiciário verificar se existe, ou não, causa legítima que autorize a imposição da sanção disciplinar. O que se lhe veda, nesse âmbito, é, tão-somente, o exame do mérito da decisão administrativa, por tratar-se de elemento temático inerente ao poder discricionário da Administração Pública.

2 – A nova Constituição do Brasil instituiu, em favor dos indiciados em processo administrativo, a garantia do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recurso a ela inerentes (art. 5º, LV). O legislador constituinte consagrou, em norma fundamental, um direito do servidor público oponível ao poder estatal. A explícita constitucionalização dessa garantia de ordem jurídica, na esfera do procedimento administrativo disciplinar, representa um fator de clara limitação dos poderes da administração pública e de correspondente intensificação do grau de proteção jurisdicional dispensada aos direitos dos agentes públicos. (MS 20.999/DF, DJU de 21/03/1990)” (16).

Desse modo, a anulação do ato punitivo, bem como a reintegração do interessado, nas fileiras da Polícia Militar, é agora da competência da Justiça Castrense estadual.

Imagine-se um caso em que o militar foi, mediante processo administrativo na caserna, demitido ou expulso e, pelo mesmo fato, foi ele julgado e absolvido criminalmente na Justiça Militar ou na Justiça Comum. Cabe a este militar pleitear sua reintegração à Polícia Militar, pois a decisão absolutória definitiva irá sobrepor-se à decisão administrativa que lhe for colidente, hoje até encontrando tal situação amparo expresso na Constituição Paulista de 1989, em seu artigo 138, § 3o, que diz:

“O servidor público militar demitido por ato administrativo, se absolvido pela Justiça, na ação referente ao ato que deu causa à demissão, será reintegrado à Corporação com todos os direitos restabelecidos.”

Assim, sob o magistério de José Cretella Jr., “Tem inequívoco direito subjetivo público à reintegração o funcionário público que foi demitido, em virtude de processo administrativo, mas que, posteriormente foi absolvido no processo penal, tendo concluído a sentença penal absolutória que o fato inexistiu, ou que houve falta de prova da existência do fato, ou que houve o fato, mas outro é seu autor e não o funcionário incriminado. Nesses casos, a sentença penal absolutória é título hábil para a reintegração do funcionário, sobrepondo-se à decisão administrativa (RDA, 26:125; RF 221:121; RDA 25:92).” (17)

Sobreleva-se, portanto, agora à Justiça Militar, dentre outras competências, a de reintegrar o militar ilegalmente demitido ou expulso, cabendo-se o registro que faz José Cretella Jr., de que: “A reintegração é uma das formas de reingresso ao funcionalismo, consistindo na volta do funcionário ao mesmo cargo que ocupava e do qual fora ilegalmente demitido, com a conseqüente reparação integral de todos os danos sofridos em razão do afastamento. Reconhecida a ilegalidade do ato de demissão, em decisão administrativa ou judicial, o funcionário tem o direito subjetivo público de regressar ao serviço, reocupando o cargo, restaurados todos os direitos e vantagens de que ficou privado durante o afastamento (direito ao estipêndio, pagando-lhe o Estado todos os atrasados; direito a férias não gozadas; direito aos qüinqüênios; direito à licença-prêmio; direito à aposentadoria, caso tenha completado o tempo de serviço durante o período de afastamento.)”

Inegavelmente nos casos em que a condenação do militar decorreu da própria Justiça Militar, ou ainda da Justiça Comum, os juízes de direito da Justiça Militar, especializados na matéria criminal castrense e agora recebendo a competência das ações civis contra atos disciplinares militares poderão e deverão, com aguda acuidade, ante os basilares valores da hierarquia e disciplina militares e as peculiaridades da caserna (18), proceder ao referido exame do ato administrativo punitivo e/ou exclusório.

Dada a especialização da Justiça Militar, creio que este juízo, por opção do constituinte, é certamente o mais adequado para cuidar dessas questões, pois o conhecimento e o trato no dia a dia com a legislação militar torna esse Juízo aquele que reúne as melhores condições de apreciação e decisão, diante dos valores e bens em litígio, tendo, como conseqüência, a diminuição do volume de trabalho das Varas da Fazenda Pública e o acentuado crescimento de trabalho na Justiça Castrense estadual.

Com o advento dessa ampliação de competência, a Primeira Instância da Justiça Militar, que não tinha competência para apreciar mandado de segurança e habeas corpus, agora, passa a tê-las, sendo importante consignar a essencial manifestação do Ministério Público naquelas ações constitucionais.

Pertinente aqui dizer que o Texto Magno, em seu artigo 142, § 2o, estabelece que: “Não caberá habeas corpus em relações a punições disciplinares militares”, todavia, em que pese a referida proibição, certo é que o Remédio Heróico sempre será cabível se houver ilegalidade na punição disciplinar, questão esta que deve ser aferida caso a caso, como sempre será possível submeter a punição disciplinar à apreciação do Poder Judiciário, garantia essa que decorre do mandamento constitucional de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5o, inciso, XXXV, da CF).

Embora a norma constitucional seja restritiva ao uso do habeas corpus, consoante previsão no capítulo das Forças Armadas, ocorre sua aplicação por expressa disposição aos militares estaduais, dada a remissão do artigo 42, § 1o, da CF.

Sobre o tema é de se dizer que a apreciação do habeas corpus em relação a punições disciplinares sempre será possível, ainda diante do referido e limitador dispositivo constitucional, como bem leciona José Armando da Costa, afirmando que: “entendemos que, igualmente ao mandado de segurança, as restrições que são impostas ao controle externo, pela via do habeas corpus, concernem aos aspectos de mérito do ato disciplinar. Se o entendimento fosse no sentido contrário, estar-se-ia admitindo o absurdo jurídico, pois conceber que um ato disciplinar concretizador de uma punição menos grave (advertência, por exemplo) não pudesse se furtar ao controle de legalidade do Poder Judiciário e, ao mesmo tempo, se concordasse que o ato aplicador da sanção mais grave (prisão disciplinar) estivesse imune a esse controle, seria uma incoerência inadmissível. Compreende-se que, mesmo tratando-se de regime hierárquico militar, deve a prisão disciplinar sujeitar-se aos postulados da legalidade. Desde que tenha sido, tal sanção, imposta com defeitos de legalidade, deve sujeitar-se ao judicial control.” (19)

2.5 Dos Órgãos da Justiça Militar. Com o novo Texto Constitucional, são órgãos da Primeira Instância da Justiça Militar estadual o juiz de direito e o Conselho de Justiça, e não somente este, como constava no Texto reformado.

Aqui há de se esclarecer que tal mudança ocorre porque é inserida uma competência interna ao Juízo de Primeiro Grau, de forma que ao juiz de direito compete singularmente processar e julgar os delitos militares contra vítima civil e também as ações civis contra os atos disciplinares, ao passo que ao Conselho de Justiça, que é integrado pelo juiz de direito e quatro juízes militares, compete o processo e o julgamento dos demais crimes militares.

Outra mudança ocorrida é que o juiz auditor, que é o juiz togado da Justiça Militar, passou agora a denominar-se juiz de direito, devendo a essa nova denominação ajustar-se a lei infraconstitucional, mas não é só isso que acarreta tal fato, pois a denominação juiz de direito permitirá o acesso destes ao Tribunal de Justiça, isso nos Estados em que não exista o Tribunal de Justiça Militar.

Explicando melhor, é que a Justiça Militar estadual possui três situações bem distintas: uma a da carreira de juiz-auditor, agora juiz de direito da Justiça Militar, nos Estados que possuem o Tribunal de Justiça Militar (São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul), constituída em três cargos: o de juiz de direito substituto, o de juiz de direito e o de juiz do Tribunal de Justiça Militar; a segunda, na maioria dos Estados em que inexistente a carreira de juiz auditor, agora juiz de direito da Justiça Militar, tal cargo era provido mediante a designação pelo Tribunal de Justiça de um juiz de direito para atuar na Justiça Militar; e a terceira que ocorria em alguns Estados em o cargo de juiz auditor era um cargo isolado; agora essas duas últimas situações permitirão o acesso do juiz de direito ao Tribunal de Justiça, por promoção.

Outra questão que vem inserida no novo Texto Constitucional é a que diz respeito aos delitos praticados por militares estaduais contra civil e de competência do júri, os quais expressamente agora não são mais da competência da Justiça Militar estadual, harmonizando essa nova norma com a constante no capítulo dos direitos e garantias individuais que expressa que são da competência do júri os crimes dolosos contra a vida (art. 5o, inciso XXXVIII, alínea “d”, da CF).

Veja que essa nova norma constitucional nada mais faz do que constitucionalizar o disposto na Lei 9.299/96 - de duvidosa constitucionalidade até então (20) - e que estabelece que o crime doloso contra a vida praticado contra civil, pelo militar, deve ser apreciado pelo júri.

Referida Lei instituiu ainda que no caso de crime doloso contra a vida de civil praticado por militar de serviço, a investigação policial militar é realizada pela Polícia Judiciária Militar, que remete o feito à Justiça Militar para apreciação do Ministério Público, cabendo, ao final, o envio do inquérito policial militar (IPM) à Justiça Comum.

Mesmo com o advento da EC n. 45/04, a investigação desses crimes continua a cargo da Polícia Judiciária Militar.

O Texto Constitucional, ao ressalvar a competência do júri quando a vítima for civil, nos crimes dolosos contra a vida, e ao estabelecer a competência do juiz de direito singularmente para processar e julgar crime militar praticado contra civil, instituiu, assim, um novo critério de competência interna ao Juízo militar de Primeira Instância.

É que a Primeira Instância da Justiça Militar, como se falou, possui dois órgãos jurisdicionais: um colegiado (o Conselho de Justiça, que pode ser de duas categorias: o Permanente formado para o processamento e julgamento de Praças, e o Especial formado para o processamento e julgamento de Oficiais) e outro singular (o juiz de direito), cabendo a este conhecer dos delitos militares praticados contra civil.

Note-se que a preocupação de excetuar o processo e o julgamento de crimes militares, praticados por militares contra civis, na presente Reforma Constitucional, não alcançou a Justiça Militar da União.

No que tange a Segunda Instância, há o Tribunal de Justiça Militar em apenas três Estados (SP, MG e RS) e, nos demais Estados, o Tribunal de Justiça.

Quanto ao órgão Colegiado de Primeiro Grau, o Conselho de Justiça, é de se dizer que o mesmo é composto por cinco juízes (o juiz de direito e quatro juízes militares, estes últimos exercendo a judicatura temporária).

Os juízes militares são sorteados dentre oficiais das Instituições Militares para atuar por tempo limitado nos processos correspondentes: o Conselho Permanente de Justiça conhece dos casos que são réus as praças militares; e o Conselho Especial de Justiça conhece dos processos em que são réus os oficiais militares.

Assim, existe na Justiça Militar uma modalidade de judicatura que não encontra similar no Brasil, em decorrência de sua composição, marcando-se pelo princípio do juízo hierárquico (os réus militares são julgados pelos seus superiores hierárquicos) e com a participação efetiva do juiz de direito, aliando o julgamento técnico-jurídico e o técnico-profissional, cujas decisões tornam-se muito ponderadas e eficazes, não se confundindo com o Conselho de Sentença do Tribunal Popular. (21)

2.6 Do crime militar. Ora, aparentemente a questão parece não oferecer dificuldade prática, mas isso logo se concretiza diante do significado do crime militar.

É que crime militar não se confunde com crime do militar. Este tem uma abrangência muito maior que aquele e alcança, não somente os crimes militares, mas também os delitos comuns, estaduais, federais e eleitorais; no tocante ao crime militar, em apenas situações específicas o militar pode praticá-lo, ou até mesmo o civil, e nesta última hipótese a competência é exclusiva da Justiça Militar da União (art. 124 da CF), uma vez que à Justiça Militar estadual não há competência para processar e julgar o civil, mas somente militares estaduais.

Para caracterização do crime militar não basta apenas a sua tipificação no Código Penal Militar, mas necessariamente deve tal previsão ser conjugada com certas condições legais.

O crime militar se desdobra em duas categorias: o propriamente militar, que é aquele previsto apenas no Código Penal Militar e somente pode ser cometido pelo militar; o impropriamente militar, que é aquele previsto tanto no Código Penal Militar como no Código Penal Comum, podendo ser praticado por militar ou civil, em determinadas condições legais.

Desse modo, são crimes militares próprios: a deserção, a insubordinação, o dormir em serviço, o abandono de posto, o furto de uso. São exemplos de crimes militares impróprios: o homicídio, a lesão corporal, o furto, o roubo, a extorsão etc.

Dessa maneira, a competência singular do juiz de direito para processar os crimes militares praticados contra civil se refere apenas aos crimes impropriamente militares, ou seja, àqueles em que o civil seja o sujeito passivo primário de delito, caso contrário, até mesmo quando o civil fosse prejudicado, o fato seria apreciado singularmente pelo juiz de direito e não pelo Conselho de Justiça.

Quanto ao processo e julgamento dos delitos militares perante o Conselho de Justiça é de se registrar que esse colegiado é composto por cinco juízes (um togado e quatro militares temporários) e a decisão consubstancia-se em uma sentença subjetivamente complexa - com o voto de todos os seus integrantes prevalecendo o voto da maioria - já que resultado de mais de uma manifestação subjetiva, conforme já ensinou Calamandrei.

Logo, a concretização judicial, frente à hermenêutica jurídica, realiza-se, então, pelo colegiado, que tem formação heterogênea e variada história de vida, cabendo-lhe compreender, interpretar e aplicar um mesmo dispositivo legal, dizendo o direito ao caso concreto, e essa atuação interessante, como bem afirma Viviane de Freitas Pereira, expondo a matéria, justifica-se, pois a presença dos juízes militares empresta “à decisão a experiência e o conhecimento que detêm acerca da vida militar. A sentença resulta de diversas compreensões e interpretações, chegando-se à decisão final a partir do voto da maioria. A diversidade das compreensões parece imprescindível neste tipo de concretização judicial, mormente porque submetidos a esses Conselhos crimes de natureza exclusivamente militar. A sentença proferida é uma adequação de compreensões, em que está presente a prática e o conhecimento jurídico.” (22)

2.6.1 Dos crimes militares contra civil. Note-se que a expressão “crimes militares cometidos contra civil” leva-nos a concluir somente “aqueles cuja vítima seja civil” e não o prejudicado. Ora, imagine-se um homicídio (artigo 205 do CPM) inter milites, cuja competência é da Justiça Castrense e, em especial, do Conselho de Justiça; tal fato sofreria insegurança se fosse se considerar a família da vítima (civil) havendo, nesse falacioso raciocínio, um aparente conflito de competência entre o juiz singular e o juízo colegiado castrense.

Com a mudança constitucional, o constituinte derivado quis deixar à competência do juiz de direito singularmente, e não ao Conselho de Justiça, os delitos militares que objetivamente atingem o bem jurídico da vítima primária, o civil, como ocorre nos crimes contra a pessoa e contra o patrimônio.

Mas, não é somente isso. O civil pode ser vítima primária de crime militar nos delitos: contra a pessoa (homicídio, lesão corporal, ameaça etc), e contra o patrimônio (furto, roubo, apropriação indébita etc), tipos penais esses que serão processados e julgados perante o juiz de direito, e ser vítima secundária de crime militar nos delitos contra a Administração Pública, tipos penais estes últimos que deverão merecer apreciação pelo Conselho de Justiça e não pelo juiz de direito.

Assim, há delitos militares em que o civil pode ser vítima primária, isso equivale dizer que ela é titular do bem jurídico tutelado pela Lei Penal Militar (vida, liberdade, honra, patrimônio etc), no entanto, nos crimes contra a Administração Pública, o sujeito passivo em primeiro plano é o Estado ou a Administração Pública, como é o caso do peculato, da concussão e da corrupção passiva, podendo eventualmente o civil ser sujeito passivo secundário.

Essa questão impõe então uma reflexão sobre a importância do bem jurídico tutelado para determinar o órgão julgador da Justiça Militar estadual que deverá atuar no processo e no julgamento da matéria.

Segundo o escólio de E. Magalhães Noronha (23) a razão teleológica do Estado é a consecução do bem comum e para tal o Estado desenvolve funções fundamentais como a legislativa, a judiciária e a administrativa, cabendo-lhe, por meio das pessoas físicas de seu organismo estatal, manter o estado de higidez e de regular funcionamento, “pois, como escreve Novicow, assim como a saúde de um animal depende do funcionamento normal de todos seus órgãos, a prosperidade do povo advém da produção de riquezas e do funcionamento regular do governo. Com esse fim é que o Código volve suas vistas para a administração pública.”

O saudoso autor afirma que perfunctório exame do Título XI do Código Penal, mostra que é no sentido lato de administração pública a que ele se refere, seguindo, neste particular, os Códigos italiano e argentino e se referindo a Relazione Ministeriale do primeiro, cita que “O conceito de administração pública, no que diz respeito aos delitos compreendidos neste título, é tomado no sentido mais amplo, compreensivo da atividade total do Estado e de outros entes públicos. Portanto, com as normas que refletem os crimes contra a administração pública, é tutelada não só a atividade administrativa em sentido restrito, técnico, mas sob certo aspecto, também a legislativa e a judiciária. Na verdade, a lei penal, neste título, prevê e persegue fatos que impedem ou perturbam o desenvolvimento regular da atividade do Estado e dos outros entes públicos”. (24)

Quanto ao peculato, assevera o referido autor que o “Sujeito passivo ou ofendido é o Estado, pois o crime é contra a administração pública. Tal acontece ainda quando o bem apropriado é de particular, já porque o delito não deixa de assim ser classificado, já porque é inegável que o fato ofende aos interesses estatais, referente ao desenvolvimento normal – eficiente e probo – de sua atividade. (...) Bem entende-se, entretanto, que sendo o objeto material pertencente ao particular, também este é sujeito passivo do delito. Trata-se, agora, do que o Código italiano denomina ‘Malversazione’.” (25).

Quanto à concussão, diz: “Sujeito passivo é o Estado ou a administração pública. Não pensa desse modo Levi. Após falar que o ofendido tanto pode ser o particular como o funcionário escreve: ‘... mas não parece lícito dizer que neste caso, ou em outros análogos, o réu tenha constrangido o Estado, abusando de seu ofício.’ Não se trata disso, entretanto. Se o bem jurídico é o já referido, sujeito passivo só pode ser seu titular, que é o Estado. Tal não impede que, concomitantemente, ofendido seja também o particular ou outro funcionário, sem seu patrimônio, pela exigência indevida. Todavia, não foi a este bem que se deu prevalência para a classificação do delito, integrante dos crimes contra a administração pública, o que, aliás, também sucede no Código Penal italiano, pois o art. 317 pertence ao Título II – ‘Dei delitti contro la pubblica amministrazione’ e ao Capitulo I – ‘Dei delitti dei pubblici ufficiali contro la pubblica amministrazione’. Conseqüentemente, sujeito passivo é, em primeiro lugar, o Estado ofendido pela violação do dever da integridade funcional, e, depois, o individuo pela lesão a seu patrimônio.” (26)

Quanto à corrupção passiva, diz: “Sujeito passivo é o Estado, ou, particularmente, a administração pública, consoante o que se falou acerca do bem jurídico tutelado.” (27)

Realmente, o melhor critério para definir a competência interna do Juízo Castrense de Primeira Instância singularmente ao juiz de direito, quando a vítima é civil, não deve alcançar os delitos em que eventualmente e de modo secundário o civil possa ser sujeito passivo daqueles crimes, devendo a interpretação para tal respeitar o bem jurídico tutelado e a classificação do crime, dele decorrente, e não o critério sui generis da vítima civil.

Esse também é o posicionamento de Célio Lobão ao dizer: “se o crime tem a administração militar estadual como sujeito passivo imediato e o civil como sujeito passivo mediato ou sujeito passivo no ‘plano secundário’ (conf. Damásio), como acontece, por exemplo, com a concussão (art. 305 do CPM), a competência será do Conselho.” (28)

A questão então de se verificar o sentido da frase cometido contra civil impõe a indagação de qual o interesse é tutelado pela lei penal militar. Veja que crime, sob o aspecto formal, é a violação da norma penal, substancialmente é a lesão de um bem por ela tutelado. Logo, em todo crime há o sujeito passivo juridicamente formal e este é o Estado, que é o titular do mandamento proibitivo não observado pelo sujeito ativo. Por outro lado, considerado o crime sob o prisma material, há sempre aquele que sofre a lesão do bem jurídico de que é titular (vida, integridade física, honra, patrimônio). (29)

O sujeito passivo formal também é denominado constante, geral ou genérico e sempre é o Estado. Já o sujeito passivo eventual, particular, acidental ou material é sempre o titular do interesse penalmente protegido. (30)

Em alguns casos, como ensina Damásio E. de Jesus, o Estado aparece como sujeito passivo material junto a outro sujeito passivo material, que é o particular. Ex.: peculato (art. 312). Sujeito passivo material é o Estado, titular do objeto jurídico, que é a administração pública. Entretanto, pertencendo o objeto material (dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel) a um particular, também este é sujeito passivo material do delito. (31)

Essas noções sobre o sujeito passivo são essenciais para se limitar o sentido da expressão instituída pelo Texto Magno, para definir a competência do juiz singular no Juízo Castrense, porquanto podem ser sujeito passivo material do crime: o homem (como ocorre no homicídio), a pessoa jurídica (como ocorre na fraude para o recebimento de indenização ou valor do seguro), o Estado (como ocorre no delito de concussão) e a coletividade (incêndio).

Como vimos, em determinadas situações ocorreram dois sujeitos passivos materiais quando o particular é ofendido, como no caso do peculato com apropriação pelo sujeito ativo de bem do particular, no caso do incêndio com pessoas atingidas em concreto etc.

Nesses casos, em havendo eventualmente o civil sido vítima, ainda sim prepondera a classificação do crime e não o bem de que foi atingido o civil.

Nesse sentido, importantíssimo para se saber quais os delitos serão de competência singular do juiz de direito no Juízo castrense, é saber sobre o bem jurídico tutelado pela lei.

O bem jurídico é o valor protegido pela lei e tem como principal função delimitar a intervenção estatal, teoria esta presente na obra de Von Liszt, de um lado em relação ao legislador e de outro lado à interpretação dos concretos tipos penais previstos pelo legislador.

Desse modo, o bem jurídico possui uma função de garantia que corresponde à idéia de bem jurídico como conceito limitador da atividade punitiva do Estado, que permite sancionar unicamente aquelas condutas que lesionem ou ponham em perigo bens jurídicos. (37)

Note-se que o critério de ser a vítima civil, instituído pelo Texto Magno para definir a competência interna no Juízo Militar, reservando aquele fato à competência do juiz monocrático, deve, no caso concreto, ser considerado ao lado do bem jurídico atingido, pois este vai revelar se o fato de existir uma vítima civil constituirá um crime que irá excluir ou não a competência do Juízo colegiado (Escabinato).

Conclui-se que a limitação da competência interna do Juízo castrense aos delitos militares cometidos contra civil deve ensejar interpretação do Texto Constitucional na área do Direito Penal que está a incidir, daí a preponderância do bem jurídico tutelado e que se encontra albergado no próprio princípio da legalidade, instituído pela própria Constituição (art. 5o, inciso II), para se determinar o sentido e o alcance daquela norma, fixando a competência do Conselho de Justiça nos delitos praticados contra a Administração Militar e não ao juiz singular.

Tal raciocínio encontra eco na lição de Celso Ribeiro Bastos de que: “A interpretação jurídica só ganha sentido quando se tem em vista a aplicação da norma. Não se pode interpretar uma norma sem antes conhecer o campo de realidade que suscita a sua aplicação. A própria atividade do intérprete consiste na procura de uma interpretação pertinente a uma dada situação concreta. Não há pois que se falar em interpretação da lei descompromissada com a sua aplicação. Só se pode desvendar os segredos de uma norma na medida em que se coloca hipoteticamente um certo fato passível de sua incidência. Fica explícito que os problemas suscitados pela normatividade constitucional partem de uma atividade interpretativa. Ademais, não há aplicação de uma Constituição sem interpretação. A sua aplicação não pode permanecer no mesmo vácuo de abstração que se coloca a norma a ser interpretada. É necessário que ela incida no caso concreto.” (33)

Pela lição do mesmo mestre: “Não se concebe, pois, uma análise da Hermenêutica constitucional isolada do correlato estudo dos princípios albergados na Constituição. (...) Fica certo desde logo, pois, que os princípios constitucionais também ingressam no processo de interpretação. (...) Por ora, fica assentado apenas que os princípios constitucionais consubstanciam-se em valores, mas muito genéricos, em torno dos quais gravita todo um conjunto de regras sobre os quais incidirão. Os princípios constitucionais demonstram transcendência ao encampar valores, impedindo que a Constituição se torne um corpo sem alma, uma vez que nos fornecem a ótica pela qual a Constituição será manuseada de forma segura.” (34)

Bem por isso, o critério de crime militar praticado contra civil, como fixador de competência interna do Juízo castrense, vincula-se a existência da tipicidade, e esta, com abrigo no princípio da legalidade, é que deve prevalecer para equacionar se o crime praticado será de competência do Juízo colegiado ou do Juízo singular. Não é o fato de existir vítima (secundária) civil que, por si só, caracteriza a competência do juiz singular, mas sim a natureza do delito, pois se praticado o fato contra a Administração Militar, a vítima (primária) é o Estado, logo, se o referido crime existe até mesmo sem a presença da vítima civil, ainda que presente ela, torna-se o caso concreto de competência do Juízo colegiado. Este parece-me o critério mais seguro de interpretação nessa matéria.

Sobre o tema, no Estado de São Paulo, a 1a Auditoria Militar tem decidido nesse sentido, contando até o presente momento com cinco julgados (35), enquanto o Tribunal de Justiça Militar já anulou decisões, em sentido contrário, de outras Auditorias Militares (2ª e 4ª Auditorias Militares), decidindo em dois casos o julgamento pelo Juízo Colegiado, posto que prevalentes o bem jurídico tutelado pelo Código Penal Militar, que é a Administração Militar, e não o patrimônio do particular. (36)

2.6.2 Dos casos de conexão e de continência entre crimes de competência do juiz singular e do Conselho de Justiça. Vencidos, assim, os casos em que, mesmo com vítima civil, a competência continua sendo do Escabinato e não do juízo monocrático, diante da classificação do delito e com base na preponderância do bem jurídico a fixar a competência do juízo militar, analisemos então os casos em que num mesmo processo existam crimes contra vítima civil (lesões corporais, ameaça, extorsão etc) e crimes contra a administração pública (peculato, concussão, prevaricação etc). Como ficaria o rito processual a ser desenvolvido nesse caso: o do juiz singular ou do juízo colegiado?

Creio que, por razões processuais de conexão ou de continência, em que a prova de um delito influirá na do outro delito ou exista co-autoria na prática infracional, o processo deva ocorrer perante o Conselho de Justiça, formado pelo juiz de direito (que é o seu presidente) e pelos quatro juízes militares, devendo o julgamento do crime contra a vítima civil ocorrer perante o juiz de direito singularmente, e perante o Conselho de Justiça, os demais delitos.

Note-se que a regra de modificação e prorrogação de competência (art. 103 do CPPM), em virtude da conexão e a continência, não terá incidência, nos termos da diretriz constitucional dos crimes militares praticados contra vítima civil, uma vez que a norma maior estatui que naqueles casos o fato deverá ser processado e julgado perante o juiz singular.

No entanto, a novel diretriz constitucional sobre o procedimento do juízo castrense quando dos crimes contra vítima civil muito provavelmente irá permitir, até que lei venha a disciplinar a matéria, que possa o fato ser processado perante o Conselho de Justiça, quando ocorram aquelas hipóteses do simultaneus processus, ficando aquele julgamento à competência do juiz singular.

Essa situação nova, que ainda não encontre amparo na legislação processual vigente, - dado o lado prático que tal situação trará e até por uma questão de coerência e economia processual -, irá admitir que a instrução criminal se processe perante o Conselho de Justiça, pois ela é conduzida exclusivamente pelo juiz de direito, evitando-se que haja duplicidade de atos processuais, ou seja, duas oitivas da mesma testemunha – uma para o crime de competência do juiz singular e outra para o crime de competência do Conselho de Justiça – questão esta que evidentemente traria desgaste desnecessário à solução das causas penais e seria mais um empecilho para a celeridade do processo.

É que o juiz de direito integra o Conselho de Justiça como relator e presidente, logo, como afirma Célio Lobão, tem poderes de instrução, de disciplina, de impulsão, além da competência para a prática de atos decisórios em procedimentos cautelares sobre coisa (arts. 199 a 219 do CPPM), além de outros, (37) assim, a instrução criminal conduzida, colhida e presidida pelo juiz de direito – ainda que se processe perante o Conselho de Justiça - não importará desrespeito à garantia do juiz natural.

Quis o constituinte derivado certamente que o ato decisório, portanto, o julgamento, ficasse à exclusividade do juiz singular nos crimes praticados contra civil, logo, como o juiz de direito integra o Conselho de Justiça, a instrução colhida perante este é legítima igualmente para os fins determinados pela nova regra constitucional.

Tanto a conexão como também a continência são institutos de direito que processualmente determinam a reunião dos processos, pelo simultaneus processus, salvo casos especiais (artigo 102 do CPPM), logo, a despeito da EC n. 45 instituir a competência singular do juiz de direito para processar e julgar o feito, quando exista vítima civil, tal norma deverá ser implementada diante da sistemática processual vigente, admitindo, pois, o processo perante o Conselho de Justiça naquelas hipóteses legais, todavia, reservando-se o julgamento do delito cometido contra civil para o juiz de direito.

Essa medida do processamento único teria como vis attractiva os crimes de competência do Conselho de Justiça, seja, como se falou, por conexão ou por continência, trazendo economia processual à instrução do fato, quando então tornaria uno o processo.

O julgamento sim, como se falou, deve ser cindido (artigo 105 do CPPM), guardando-se a exclusividade imposta pela EC n. 45 e deixando os crimes contra civil para o julgamento do juiz de direito.

A sessão de julgamento pode ser única, todavia, será precedida da cisão do julgamento, permitindo que os crimes processados numa mesma instrução e com base numa única denúncia fossem julgados separadamente.

Como conseqüência do processo uno e garantindo-se a cisão do julgamento, também pelo mesmo princípio de economia processual, nada obsta a realização de uma única sentença, englobando o decisum de competência do Escabinato e o decisum de competência do Juízo Monocrático.

Nesse sentido, citem-se a precedentes na 1ª Auditoria Militar do Estado de São Paulo, nos Processos n. 36.709/03, 30.219/01 e 34.726/03, todos com o Juiz de Direito, Dr. Roth, e denominados de competência mista, dos quais o Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, em grau de apelação, no último deles (34.726/03), tratando de apreciação dos crimes de extorsão e de uso de documento falso na Apelação n. 5.475/05 – Rel. Juiz Cel PM Fernando Pereira, houve por bem respaldar, acolhendo os procedimentos aqui comentados.

Registre-se trecho do r. Parecer do procurador de Justiça, Dr. Pedro Falabella Tavares de Lima quanto ao tema aqui enfocado na Apelação Criminal n. 5.475/05: “(...) Não há vício algum no fato de a instrução ter sido, toda ela, colhida com a presença do Colegiado de Julgadores, e decisão monocrática haver sido lançada, publicamente, na presença do mesmo Colegiado. Aliás, se a decisão de assim agir mereceu, do mesmo dr. Dinamarco, quando adotada,elogio ‘pela formalidade’ (fls. 1833), e se, nesse momento, o ilustre Advogado manifestou desgosto pelo que entende ser um esvaziamento da Justiça Militar (com o advento da EC 45/04), parece despropositado: pretender que houvesse desmembramento do processo, para julgar separadamente os dois crimes ora em tela; ou pretender que a falsidade, de competência do Conselho de Justiça, fosse, processualmente, absorvida pela Extorsão, de competência do Juiz monocrático. É que a solução aqui adotada, além de absolutamente legal, é aquela que mais prestigia a Justiça Militar tal como historicamente edificada.”

Note-se que do bem lançado e r. Parecer do Parquet, o TJM/SP assim decidiu, a unanimidade de votos na referida Apelação, in verbis:

“No que diz respeito à primeira preliminar há de ser manifestada inicialmente a total concordância com o inconformismo revelado pelo Dr. Antonio Cândido Dinamarco em relação à alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 45/04 na parte referente ao julgamento dos crimes militares praticados contra civis passarem a ser realizados de forma singular pelo Juiz de Direito e não mais pelos Conselhos de Justiça”...

“Por outro lado, diante da entrada em vigor do novo texto constitucional quando o processo já estava instaurado há mais de um ano e meio, não há como deixar de reconhecer o acerto da decisão tomada pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Auditoria no caso concreto, ao manter a unidade do processo, em observância ao princípio da economia processual, cindindo apenas o julgamento de forma tal a permitir que o crime de uso de documento falso fosse apreciado pelo Conselho de Justiça, considerando tratar-se de crime contra a Administração Militar, e o crime de extorsão fosse apreciado singularmente pelo Juiz de Direito do Juízo Militar.

Além disso, o Magistrado teve a cautela de encaminhar a questão para o Conselho Permanente de Justiça, o qual, em audiência pública com a presença das partes, que por sua vez não apresentaram objeções à formalidade adotada, referendou a decisão da manutenção da instrução do processo de forma conjunta, proferindo-se apenas o julgamento de maneira distinta, de acordo com o crime a ser julgado, conforme pode ser verificado na Ata de Sessão às fls. 1.833/1.834.

Saliente-se ainda que essa matéria foi alvo de detalhada e fundamentada motivação na r. Sentença proferida nos autos, mais especificamente às fls. 1.981/1.991, abordando o alcance do entendimento a ser dado à alteração constitucional na parte em que estabelece a competência dos Juízes de Direito do Juízo Militar para processar e julgar, singularmente, os crimes militares praticados contra civis, entendimento este que é justamente o que vem sendo adotado de forma unânime por este Tribunal de Justiça Militar nos julgamentos já realizados que envolveram a matéria, consistindo na competência dos Conselhos de Justiça para processar e julgar os ilícitos penais militares inseridos no Título VII do Código Penal Militar, que trata “Dos crimes contra a Administração Militar”, haja vista que, embora figurando no plano secundário como sujeito passivo do crime um civil, há de se reconhecer inquestionavelmente que o bem maior a ser protegido no caso dos crimes contra a Administração é o interesse público no regular funcionamento dos órgãos e instituições que a compõem, cuja moralidade e probidade devem ser exercidas na sua plenitude pela pessoas que, investidas em funções e cargos públicos, têm a incumbência de prestar serviços à população...”

Não há como, portanto, diante desses argumentos, acolher-se a primeira preliminar apresentada...”

Na prática, haverá uma única sentença distinguindo o decisum do juiz de Direito e o decisum do Conselho de Justiça.

O simples fato de o constituinte derivado estabelecer que não são mais da competência da Justiça Militar os delitos da competência do júri quando a vítima for civil, leva-nos a reconhecer que os crimes inter milites de homicídio (artigo 205 do CPM) continuam sendo crimes militares.

Continuam sendo também crimes militares e, portanto, da competência da Justiça Militar, os crimes culposos contra a vida, ainda que a vítima seja civil.

Os crimes da competência do júri vêm estabelecidos no capítulo dos direitos e garantias fundamentais do homem, no artigo 5o, inciso XXXVIII, alínea “d”, da CF, constituindo-se nos crimes dolosos contra a vida.

Aliás, essa norma nada mais fez do que, como se falou, constitucionalizar o critério instituído pela Lei 9.299/96, tido pela doutrina especializada como inconstitucional, porque retirou da competência da Justiça Militar os delitos dolosos contra a vida praticados contra civil.

2.6.3 Do rito processual adequado. Questão que merece também aqui enfrentamento é o rito processual previsto no CPPM para os delitos militares.

Na Primeira Instância da Justiça Militar existem três tipos de Juízo, com a nova situação instituída pela EC n. 45: o do juiz monocrático, do Conselho Permanente de Justiça e do Conselho Especial de Justiça, todos sendo modalidades do Conselho de Justiça. Deste Colegiado, o primeiro destinando-se a processar e julgar os crimes praticados por praças estaduais e o segundo destinando-se a processar e julgar os oficiais estaduais.

O CPPM prevê apenas dois tipos de rito: o ordinário (arts. 384/450) para a quase totalidade dos delitos militares, e que engloba crimes apenados com detenção ou reclusão, indistintamente; e o especial (arts. 451/465), que é específico para os delitos de deserção e de insubmissão.

Pois bem, havendo apenas dois ritos processuais no CPPM, reservados ao Conselho de Justiça, e o Texto Magno instituindo a competência do juiz singular (monocrático) para os delitos cometidos contra o civil, é de se indagar se deve ocorrer mudança de rito processual para estes últimos delitos.

A questão não é de fácil resolução, pois, o Texto Magno apenas impôs uma divisão de competência interna e não a mudança de rito propriamente dito. É sabido que o rito processual – seja o ordinário ou o especial – são totalmente orais e diversos do rito previsto no Código de Processo Penal Comum, os quais prevêem um rito para os crimes de detenção (sumário) e um rito para os crimes de reclusão (ordinário), logo, o fato de existir agora o processo e o julgamento de crimes de competência do juiz monocrático não deve levar, por si só, a entender-se que deva ser aplicado o rito processual correspondente da legislação comum.

Não somente os prazos são diferenciados, mas também os procedimentos, como ocorre, por exemplo, com o instituto da defesa prévia que não existe no CPPM. Ora, neste Código, a defesa, após a oitiva da última testemunha da acusação, declina o rol de suas testemunhas, diferentemente do que ocorre no CPP Comum quando, após o interrogatório, e no prazo de até três dias a defesa precisa declinar o rol de defesa, sob pena de preclusão.

Assim, a ausência de lei disciplinando o rito processual correspondente para a atuação do juiz de direito singularmente no processo penal militar, impõe que as disposições do CPPM devem ser aplicadas e adaptadas a essa nova situação, substituindo-se as disposições do Juízo colegiado pelas dos juiz singular, tendo como base as disposições neste sentido do Código de Processo Penal Comum.

Essa medida deve garantir o devido processo legal e a garantia às partes, diante da situação nova instituída pela Emenda Constitucional n. 45.

O julgamento do processo penal militar é oral e perante o Conselho de Justiça, logo, sendo agora singular, por força da EC n. 45, nas hipóteses de crimes militares praticados contra civis, entendo que a substituição do julgamento oral pelo julgamento não oral, como ocorre no processo ordinário do CPP Comum (art. 502) seja uma medida coerente, uma vez que o julgamento passa a ser puramente técnico e sem a presença do Escabinato.

O julgamento perante o Escabinato garante às partes debater a matéria e formular os seus requerimentos, pela oralidade. Esse procedimento justifica-se diante da existência do fato de que o juiz de direito, ao lado dos juízes militares, julgam toda a matéria ali requerida – de direito e de fato -, publicamente.

Os debates são importantes, pois como os juízes militares, que são temporários, muita das vezes não participaram da instrução criminal e assumem o processo já em fase do julgamento, como ocorre comumente com o Conselho Permanente de Justiça, onde os quatro juízes temporários são substituídos a cada trimestre, a matéria debatida explicitará a estes juízes temporários o que for pertinente e exigirá deles o necessário enfrentamento pelo Escabinato julgador. Neste ponto o rito do processo militar se assemelha ao rito da oralidade, que ocorre perante o júri.

Logo, com relação ao juiz de direito que atuou em todo o processo, o julgamento não exigirá necessariamente a oralidade e prescindirá dos debates, resumindo-se a matéria a discussão técnica, como ocorre no processo ordinário previsto no CPP Comum, com base nas alegações escritas e na instrução criminal.

Essa inovação no processo penal militar – de se adotar o julgamento técnico e sem a necessidade da oralidade -, não deve ferir o processo castrense e até se torna razoável, como se falou, porque o julgamento, nos delitos cometidos contra civil, instituído pela EC n. 45, é matéria nova e realizado somente perante o juiz de direito, logo, por economia processual, melhor que siga situação análoga existente no CPP Comum (artigo 502).

O importante, ante a ausência da alteração do CPPM para os casos de competência singular do juiz de direito, é não desfigurar o processo militar, pois este certamente não foi o escopo do constituinte derivado, mas apenas visou que os delitos com vítima civil fossem processados e julgados perante o juiz de direito e não mais perante o Escabinato.

2.6.4 Da presidência do Conselho de Justiça. Situação nova trazida também pela EC n. 45 foi a mudança da presidência do Conselho de Justiça, agora centrada na pessoa do juiz de direito e não mais na pessoa do militar de maior patente, consoante estabelecia a legislação infraconstitucional.

Veja que essa mudança significativa no colegiado castrense determina a alteração da legislação infraconstitucional (Lei de Organização Judiciária, CPPM etc) que estabelecem que a presidência do Escabinato recaia sobre o militar de maior patente e obrigatoriamente seja o mesmo um oficial superior.

Os oficiais na Instituição Militar são de diversas categorias: subalternos (Tenentes), intermediários (Capitães) e superiores (Majores, Tenente Coronéis e Coronéis), logo, como se falou, observando a tradição da legislação infraconstitucional, a presidência do Conselho de Justiça sempre foi reservada para o militar de maior patente naquele Escabinato.

À presidência do Conselho de Justiça a lei reservou, em síntese, os atos de abertura e encerramento da sessão, o controle do tempo de fala das partes, a ordenação de votos pelos outros juízes que integram aquele Colegiado e a polícia das sessões, esta exercida concomitantemente com as atribuições do juiz de direito (artigo 385 do CPPM).

No referido Colegiado da Justiça castrense, além do presidente, o juiz de direito exercia preponderante atividade de ouvir as pessoas (réu, ofendido e testemunhas), de fazer as reperguntas dos juízes militares (temporários) e das partes, como também a de relatar o processo e votar em primeiro lugar (art. 435 do CPPM), no julgamento propriamente dito, também cabendo-lhe redigir a sentença (art. 438, § 2o, do CPPM).

Com o advento da mudança constitucional, passando a presidência do Conselho de Justiça para o juiz de direito, há uma significativa alteração nas atividades conferidas aos juízes do Escabinato castrense, pois agora exclusivamente o juiz de direito é que detém atribuições de preponderância sobre os outros quatro juízes militares (temporários).

A atividade dos juízes militares ficou assim limitada à participação na instrução probatória com as reperguntas que lhe são devidas e às decisões do Escabinato, sempre tomadas por votação e, no mínimo, por maioria de votos.

No entanto, ainda com a referida mudança, é de se indagar se a presidência do Escabinato castrense, função anteriormente exercida, como se falou, por um oficial superior de maior patente entre os juízes militares - e, pela ordem legal, sempre o último a votar, cabendo-lhe, pois, quando do empate na votação dos juízes que lhe antecederam (2x2), decidir pelo voto de minerva – passou agora ao juiz de direito, impondo a este votar também em último lugar, ou em primeiro lugar.

Essa questão é de extrema relevância no Escabinato castrense, uma vez que a lei infraconstitucional estabelece que a ordem de votação é a seguinte: primeiro vota o juiz de direito (antigo juiz auditor) e depois, na ordem inversa de antiguidade, votam os juízes militares, até o último voto, que é proferido pelo oficial superior de maior patente entre os militares (art. 435 do CPPM).

Note-se que a tradição da legislação castrense foi sempre a de reservar o primeiro voto ao juiz togado (juiz auditor e agora denominado constitucionalmente juiz de direito), pois este é o juiz técnico e aquele que irá conduzir e nortear o voto do Conselho de Justiça, relatando-o e expondo todas as questões de fato e de direito que envolvem a matéria, decidindo, preponderantemente, pelo viés do direito.

Desse modo, os juízes militares terão, antes de votar, o conhecimento do voto técnico, do voto de direito, proferido pelo juiz togado, podendo concordar com aquele voto ou dele discordar, sempre fundamentando seu posicionamento.(38)

Acredito que a mudança constitucional implicou na prática numa soma de atribuições àquelas do juiz de direito, que sendo o responsável por realizar a instrução criminal, ouvindo as pessoas no plenário de audiências (réu, ofendido e testemunhas), e ainda em fazer as reperguntas, conduzir o processo tecnicamente com determinações fora do plenário e dirigindo o processo com determinações ao Cartório, saneando-o para o julgamento, além de relatar o processo no julgamento, após os debates orais, e votar em primeiro lugar e presidir o Conselho de Justiça, não somente no aspecto de fato, mas também de direito, incumbindo-se da polícia de sessões, da ordenação do voto de todos os juízes, do controle de prazo de fala das partes, sem, todavia, que essa mudança retire-lhe a primazia de ser o primeiro a votar.

Apenas a função de presidente do Escabinato castrense passou agora a ser exercida pelo juiz de direito que, no julgamento, como se disse, é o primeiro que vota, conduzindo de maneira técnica o seu voto e antecedendo o voto dos juízes temporários, ficando, pela ordem lógica de votação, o último voto com o militar de maior patente daquele Colegiado e, com o ônus, em caso de empate nos quatro votos já proferidos (2x2), de decidir pelo voto de minerva.

Pensar de modo contrário seria desnaturar o trabalho técnico do juiz de direito que, até por essa condição, deve dirigir e anteceder à decisão dos juízes militares, tendo como paradigma naquela decisão o voto técnico.

Não deve passar despercebido nesse comentário que a lei infraconstitucional estabelece uma ordem de assento dos juízes no Escabinato castrense, ficando ao centro da mesa julgadora o presidente e, com base nesta posição, dispondo os demais juízes da seguinte forma: ao seu lado direito o juiz de direito e do lado esquerdo o militar de maior patente, à direita o outro militar de subordinação a esta última patente e por último, do lado esquerdo do presidente, o militar mais moderno (art. 400 do CPPM).

Pois bem, com a mudança constitucional, aquela ordem de assento também foi atingida, pois agora cabe ao juiz de direito também a presidência do Conselho de Justiça, logo, o assento central na mesa julgadora deve ser ocupado pelo juiz de direito (presidente) e nos demais assentos serem distribuídos os juízes militares na seguinte conformidade: à direita do juiz de direito, o militar de maior patente; à sua esquerda o militar de subordinação àquela patente; à direita o militar de menor patente que esta última; e por final, do lado esquerdo, o militar de menor patente.

2.6.5 Da ordem de votação do Conselho de Justiça. Curiosamente, essa ordem de assento, estabelecida pela lei, coincide com a ordem de votação que, com o advento da EC n. 45, deverá seguir a seguinte ordem: primeiro vota o juiz de direito (que também é o presidente do Conselho de Justiça), depois votam os juízes militares na ordem inversa de antigüidade, até o de maior patente naquele Colegiado.

Encerrando-se a votação, cabe ao presidente do Conselho de Justiça prolatar o veredicto, mormente precedida do cômputo dos votos (convergentes ou divergentes) dos cinco integrantes do Escabinato castrense, portanto, essa é mais uma tarefa que se soma às atribuições do juiz de direito.

Essa divisão de atribuições no Conselho de Justiça, ordenando a sua funcionalidade, de maneira alguma retira as prerrogativas dos juízes militares na sua nobre e árdua tarefa de julgar, garantindo-se-lhes a imparcialidade e a independência de sua atuação e de seus votos, marcados pela ordem de votação e pela garantia de justificativa do voto (art. 438, § 2o, do CPPM), caso assim o decida.

Parece-nos que a ordem de votação dos juízes militares, depois do voto do juiz de direito, estabelecida pela lei, tem uma razão de ser, pois, como já se falou, tendo como condutor o voto do juiz técnico, primeiro, dentre os juízes militares, vota o militar de menor patente e, assim sucessivamente, até o de maior patente.

Essa ordenação de votos entre os juízes militares permite que o militar de menor patente, tendo como base o voto do juiz de direito, vote desvinculadamente dos votos que lhe seguirão, logo, propicia não haver qualquer constrangimento do juiz de menor patente discordar do voto do juiz de maior patente, pois este voto até aquele momento é desconhecido.

Esse procedimento estabelecido no CPPM, logo após os debates levados a efeito pelo Ministério Público e pela defesa, publicamente, caracterizam a beleza e altivez do julgamento castrense, marcando a atuação do Escabinato castrense, perante os olhos de todos os presentes à sessão, reservando-se ainda a qualquer daqueles juízes o exercício de justificar o seu voto, inclusive o próprio juiz de direito.

3.0 A Reforma que depende agora dos operadores do Direito. A perda do posto e da patente dos Oficiais.

A oportunidade de no presente trabalho – ao se tratar da Reforma Constitucional que tantas modificações trouxe à Justiça Militar estadual – cuidar-se também da Reforma que independente de modificação da lei ou da própria Constituição, ou seja, daquela Reforma que agora depende diretamente dos próprios operadores do Direito, no seu dia-a-dia, com a exigência da inserção de alguns procedimentos e exigências no que tange à competência destinada ao Segundo Grau da Justiça Militar estadual, enseja um convite à reflexão sobre alguns procedimentos que urgentemente precisam adequar-se ao Texto Constitucional para continuarem sendo válidos. Passemos a eles.

No que tange à competência para decretação da perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças, embora não tenha ocorrido alteração em relação ao Texto originário da Constituição de 1988, pertinente é a abordagem do tema, dada sua importância e a sua singulariedade, principalmente àqueles que não atuam ou não conhecem a Justiça Castrense.

A matéria que leva o Oficial a perder o seu cargo é matéria que enseja reforma de interpretação no trato jurídico, em especial no que tange ao Conselho de Justificação, ante os aspectos constitucionais que estão a merecer a guarida do operador do Direito.

A perda do posto e da patente, que constitui a cassação ou perda da garantia outorgada pelo Chefe do Executivo ao oficial da Instituição Militar, só pode ocorrer diante de um ato de indignidade ou incompatibilidade com o oficialato (artigo 142, § 3o, incisos VI e VII, da CF), mediante ação originária promovida pelo Ministério Público perante o Órgão de Segundo Grau da Justiça Militar estadual e por este declarada, o que importará a demissão do servidor militar, daí porque tal garantia é reconhecida como vitaliciedade.

Consoante o escólio de José Cretella Júnior: “Reiteremos. O oficial das Forças Armadas é detentor de cargo vitalício [de igual modo o oficial das Instituições Militares estaduais, de acordo com a EC n. 18, que dispôs no artigo 42, parágrafo 1o c.c. artigo 142, parágrafo 3o, incisos VI e VII, o mesmo tratamento]. Só perderá o cargo em decorrência de sentença penal, transitada em julgado, ou seja, se tiver cometido crime e for condenado. É, assim, imune a processos administrativos e fica fora da incidência de pena acessória de perda do cargo, derivada de condenação criminal, mesmo que a pena privativa de liberdade ultrapasse dois anos. O oficial, considerado indigno, tem o direito subjetivo público de ser julgado por magistrado, assegurando-se-lhe o due process of law.” (39)

Como afirma Paulo Tadeu Rodrigues Rosa: “A questão exposta deve ser analisada em conformidade com a pretensão do legislador constituinte, que teve por objetivo assegurar ao militar, que fica sujeito ao tributo de sangue, ou seja, ao cumprimento de suas funções até mesmo com o sacrifício da própria vida, prerrogativas que são necessárias para se evitar influências políticas, ou mesmo pressões indevidas por qualquer setor da sociedade, que possam prejudicar o cumprimento das missões estabelecidas pelo texto constitucional.” (40)

Se, por exemplo, um militar estadual – seja oficial ou seja praça – vier a ser condenado criminalmente, tanto por crime militar ou por crime comum, à pena privativa de liberdade superior a dois anos, o Ministério Público irá promover a competente representação para o processo de perda do posto e da patente, se o militar for oficial, ou para o processo de perda da graduação, se o militar for praça.

Cabe, assim, ao Judiciário, decidir se a condenação incompatibiliza o militar em permanecer no serviço ativo ou na inatividade da Instituição Militar. Nesse passo, importante o fato gerador daquela apreciação a ser julgada atendendo-se à natureza e às circunstâncias do delito e à fé de ofício do acusado.

Oportuno, nesse sentido, o preciso ensinamento de José Cretella Jr, citando Pontes de Miranda, dizendo: “a eficácia constitutiva negativa, que é a da perda do posto e da patente, não resulta da sentença condenatória, mas sim da declaração pelo tribunal militar. Mesmo se a condenação foi decidida por tribunal militar; o que se há de frisar é que se protraiu (adiou, demorou, procrastinou, espaçou) perda do posto e da patente, a despeito do trânsito em julgado da sentença condenatória. O que se declara, para que haja a perda e se expeça o mandado, é a indignidade. Pode ocorrer que o militar, culpado, tenha sido punido e haja transitado em julgado a sentença do tribunal civil ou militar, mas o exame posterior, pelo tribunal militar, haja revelado que não houve indignidade. Outro ponto que merece atenção: se o tribunal militar, que é competente para a condenação, também o é para a decisão desconstitutiva; ou lei processual prevê a espécie, ou pode ele, desde logo, desconstituir. Então, a eficácia sentencial não é diferente; há duas ações penais (cf. Pontes de Miranda, Comentários, 3a, ed. Rio de Janeiro, Forense, 1987, vol. III, p. 401).” (41)

A outra hipótese que enseja o processo para a perda do posto e da patente do oficial é a prática de conduta indigna ou incompatível com o oficialato. As situações que ensejam a indignidade ou a incompatibilidade vêm descritas em lei infraconstitucional e atualmente a matéria vem disciplinada na Lei Federal 5.836/72.

Cada unidade federada possui uma lei local que deve ser combinada com a referida Lei Federal mencionada. Como exemplo, no Estado de São Paulo a matéria é disciplinada pela Lei n. 186/73, originando sua apuração na própria Administração Militar, por meio do Conselho de Justificação, que é um processo administrativo, cujo resultado ensejará a apreciação do Poder Judiciário para aquele fim.

Dessa forma, os processos de perda do posto e da patente vêm previstos no Regimento Interno dos Tribunais de Justiça ou de Justiça Militar. No Estado de São Paulo o Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo distingue as situações previstas nos incisos VI e VII do § 3o do artigo 142 da CF. (42)

No âmbito da União, cabe privativamente ao Ministério Público Militar: “promover a declaração de indignidade ou de incompatibilidade para o oficialato” (artigo 116, inciso II, da Lei Complementar Federal n. 75/93) perante a Justiça Militar, logo, no âmbito da Justiça Militar estadual tal função é também de incumbência do Ministério Público albergado pela dicção do artigo 25 da Lei Federal n. 8.625/93 (Lei Orgânica do Ministério Público).

Ocorre que declarar a indignidade ou a incompatibilidade para o oficialato, nos termos dos incisos VI e VII do § 3o do artigo 142 da CF, é incumbência de um único órgão judicial, até porque a finalidade daqueles dispositivos é uma só, ou seja, a perda do posto e da patente do oficial da Instituição Militar, que só pode ocorrer em sendo declarada por meio de um processo especial.

Assim, ao invés de dois processos para aquele mesmo fim, em verdade só existe um processo e sua iniciativa é de incumbência do Ministério Público.

Vejamos a redação dos dois dispositivos constitucionais sob comento:

Art. 142, § 3o ...........................................................................

Inciso VI: “o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra.”

Inciso VII: “o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso anterior.”

Como se falou, a legislação vigente atribui ao Ministério Público Militar promover a declaração de indignidade ou de incompatibilidade para o oficialato (artigo 116, II, da LC Federal 75/93), regra esta que, por analogia, dá respaldo para o Ministério Público estadual também promover a ação para a perda do posto e da patente do oficial.

Note-se que examinando o processo decorrente da hipótese do artigo 142, § 3o, inciso VI, da CF, José Julio Pedrosa afirma que: “Na realidade, o STM não julga o Conselho de Justificação, mas sim o ‘processo oriundo do Conselho de Justificação’, como expressamente se refere o art. 14 da Lei n. 5.836/72, ou os ‘feitos originários do Conselho de Justificação’, como estabelece o art. 6o, inciso II, alínea f, da Lei de Organização da Justiça Militar da União (Lei 8.457/92).” (43)

O Conselho de Justificação constitui-se da comissão processante composta por três oficiais de patente superior ou mais antigo que o justificante, sendo que a atuação daquele colegiado de militares irá, por meio de um processo especial, processar e julgar fato que incapacite o oficial da Instituição Militar para permanecer no serviço ativo ou na inatividade.

A lei regente (Lei Federal n. 5.836/72) estabelece, em seu artigo 2o, as hipóteses ensejadoras da instauração do Conselho de Justificação que, frise-se, desenvolve suas atividades na caserna, e que ocorrem a pedido do justificante ou “ex officio”. São elas:

I – acusado oficialmente ou por qualquer meio lícito de comunicação de ter:
a) procedido incorretamente no desempenho do cargo;
b) tido conduta irregular; ou
c) praticado ato que afete a honra pessoal, o pundonor militar ou o decoro da classe;

II – considerado não habilitado para o acesso, em caráter provisório, no momento em que venha a ser objeto de apreciação para ingresso em Quadro de Acesso ou Lista de Escolha;

III – afastado do cargo, na forma do Estatuto dos Militares por se tornar incompatível com o mesmo ou demonstrar incapacidade no exercício de funções militares a ele inerentes, salvo se o afastamento é decorrência de fatos que motivem sua submissão a processo;

IV – condenado por crime de natureza dolosa, não previsto na legislação especial concernente a segurança do Estado, em Tribunal civil ou militar, a pena restrita de liberdade individual até 2 (dois) anos, tão logo transite em julgado a sentença; ou

V – pertencente a partido político ou associação, suspensos ou dissolvidos por força de disposição legal ou decisão judicial, ou que exerçam atividades prejudiciais ou perigosas à segurança nacional.

A referida Lei regente do Conselho de Justificação estabelece que a competência para julgar o processo oriundo daquele colegiado é do Superior Tribunal Militar, em instância única, quando remetidos pela Administração Militar das Forças Armadas (art. 14), logo, tal regra adotada pelos Estados irá levar a Corte competente (Tribunal de Justiça ou Tribunal de Justiça Militar), por meio de seu Regimento, a julgar aquela matéria, quando remetidas pela Administração Militar das Instituições estaduais.

Neste particular, ou seja, com base no resultado dos Conselhos de Justificação a que são submetidos os oficiais acusados de terem praticado ato indigno ou incompatível nas hipóteses descritas pela lei infraconstitucional, cabe, a meu ver, também ao Ministério Público, a iniciativa para a representação para a perda do posto e da patente do oficial, muito embora a referida lei regente assim não expresse.

É que na sistemática constitucional vigente o processo de perda do posto e da patente é, na verdade, um só e pode ser provocado por meio de dois modos: a) um decorrente da prática de fato descrito na lei infraconstitucional que caracterize a indignidade ou a incompatibilidade; e b) outro decorrente do exame desses pressupostos em caso de condenação criminal com pena superior a de dois anos de pena privativa de liberdade.

Ora, se a lei regente (Lei Federal n. 5.836/72) prevê que o processo concluído na Administração Militar será enviado ao Tribunal competente para que o relator ouça a defesa, é de se concluir que esse sintético procedimento, por si só, não se coaduna com o princípio do devido processo legal, o qual exige, no mínimo, a instauração da ação perante o Poder Judiciário competente, a citação do acusado e a oportunização de contrariedade à acusação de indignidade ou incompatibilidade que é formulada para o processo de perda do posto e da patente.

O princípio do devido processo legal implica na obrigatoriedade de várias regras, segundo Nelson Nery Júnior, caracterizando as garantias processuais que devem ser conferidas ao processado, como: a) direito à prévia citação para conhecimento do teor da acusação; b) direito a um juiz imparcial; c) direito ao arrolamento de testemunhas e à elaboração de reperguntas; d) direito ao contraditório (contrariar provas, inclusive); e) direito à defesa técnica; f) direito à igualdade entre acusação e defesa; g) direito de não ser acusado ou processado com base em provas ilícitas; e h) privilégio contra a auto-incriminação. (44)

Nesse sentido, confira-se os dois únicos dispositivos legais que tratam, defeituosamente, da processualística do procedimento de julgamento, perante o Tribunal competente, do fato apurado no Conselho de Justificação, ou seja, os artigos 14 e 15 da Lei Federal n. 5.836/72, os quais se aplicam por analogia à legislação estadual:

“Art. 14. É da competência do Superior Tribunal Militar julgar, em instância única, os processos oriundos de Conselhos de Justificação, a ele remetidos por Ministro Militar.

Art. 15. No Superior Tribunal Militar, distribuído o processo, é o mesmo relatado por um dos Ministros que, antes, deve abrir prazo de 5 (cinco) dias para a defesa se manifestar por escrito sobre a decisão do Conselho de Justificação.”

De uma análise perfunctória verifica-se que o processo do Conselho de Justificação é judicialiforme(45) , possuindo uma fase administrativa e outra judicial, no entanto, a Lei regente na fase judicial não previu a instrução processual, mas apenas a manifestação da defesa e, a seguir, o feito é posto em mesa para julgamento.

Veja que, embora a Lei regente não preveja, a atuação do Ministério Público é essencial como custos legis, isso por força do Regimento Interno do Superior Tribunal Militar (art. 160), logo após a manifestação da defesa e precedendo ao julgamento.

Note-se que ausente a participação do Ministério Público, haverá nulidade insanável do processo. (46)

Ora, como admitir então, como processo regular, que um processo judicial ocorra perante autoridade judiciária que não presidiu a instrução probatória e não ouviu o processado, mas apenas conheceu das alegações escritas da defesa e do parecer do Ministério Público?

A competência do Tribunal competente de julgar a indignidade ou incompatibilidade (incisos VI e VII do § 3o do artigo 142 da CF) necessariamente impõe a realização de um processo para a perda do posto e da patente, pois concorrentes aqui outros princípios constitucionais como o do devido processo legal (art. 5o, LV: “aos acusados e aos litigantes em processo judicial e administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”) e o do juiz natural (art. 5o, LV: “ninguém será processado e nem sentenciado senão por autoridade competente”)

Como admitir o início da fase judicial do processo sem uma inicial? E sem citação?

Seria o Conselho de Justificação um resíduo do procedimento de ofício, como ocorria com o processo das contravenções penais, antes da Constituição de 1988, e a partir dela extinto, com a exclusividade do Ministério Público na titulariedade da ação penal pública?

É de se registrar que no extinto procedimento de ofício contravencional, ainda sim havia o interrogatório do réu perante o juiz e com garantia dele arrolar testemunhas de defesa com instrução regular (arts. 537/538 do Código de Processo Penal comum).

Ora, o Conselho de Justificação, que é instaurado perante a Administração Militar, ali é instruído e concluído, e depois remetido ao Judiciário, devido à procedência da acusação pela indignidade ou incompatibilidade, não exigirá, então, a instauração da instância?

Todos esses vícios de formalidade e de ausência de requisitos legais estão a determinar que o Regimento da Corte venha a suprimir tal estado de coisas, sob pena de o processo do Conselho de Justificação estar em desconformidade com a Constituição Federal, portanto, não recepcionado.

Veja que o Poder Judiciário não homologa o Conselho de Justificação, pois neste apenas houve conclusão de que a acusação procede contra o militar oficial. Cabe ao Judiciário processar e julgar a acusação feita pela Administração Militar contra o oficial, para os fins de perda do posto e da patente, logo, cabível a instrução do processo antes do julgamento, para não se concluir que o Conselho de Justificação é um caso de jurisdição sem ação, como ocorria com o procedimento contravencional.

Se o Judiciário processa e julga mediante um processo, é de se exigir, em toda ação, o ato de três pessoas (actum trium personarum): autor, réu e Juiz. Exige o processo judicial, seja civil ou criminal, a propositura de uma ação. Se a matéria for penal, o processo não se inicia sem a denúncia ou a queixa. Se a matéria for cível não se inicia o processo sem a petição inicial!

O Conselho de Justificação não é um processo administrativo, como veremos logo adiante, ao analisarmos a sua natureza jurídica, pois se assim fosse, não tramitaria por questões de interesse da Administração Militar perante o Poder Judiciário, para processamento e julgamento da questão.

Veja que o Conselho de Justificação é a comissão processante constituída por três Oficiais da Milícia, de que dispõe a Administração Militar para, por meio de um processo administrativo, sustentar a acusação de ter o oficial praticado fato caracterizador da indignidade ou incompatibilidade, não tendo capacidade de continuar nas fileiras da Instituição Militar. Se isso é verdade, uma vez concluído aquele, porque procedente a acusação processada perante a Administração Militar, o processo perante o Judiciário depende de uma propositura e do impulso processual para não se concluir que estamos diante de um caso de jurisdição sem ação, fenômeno este que não mais se coaduna com os princípios constitucionais vigentes.

Não se deve olvidar que o Judiciário não age de ofício e depende, pois, de provocação da parte interessada (nemo judex sine actore). Assim, sendo a Administração Militar a interessada, somente a parte habilitada poderia propor, com base no trabalho realizado pelo Conselho de Justificação, a ação instando o Judiciário a dizer o direito.

Como diz a lei regente (Lei Federal 8.536/72), em seu artigo 14, compete ao tribunal competente julgar o processo de Conselho de Justificação, mas esta competência sob a Constituição Federal vigente exige que haja um processo realizado perante a mesma autoridade que julgará a matéria.

Certamente, o defeito da lei regente não prevendo a propositura da ação por parte da parte habilitada, da citação do processado para que possa exercer o contraditório, da instrução probatória perante a autoridade judiciária, deve ser corrigido com a exigência desta pelo Regimento Interno do Tribunal competente (o Superior Tribunal Militar no âmbito da Justiça Militar da União e o Tribunal de Justiça ou o Tribunal de Justiça Militar), caso contrário, colidirá com os princípios do devido processo legal e outros dele decorrentes.

De igual modo, se a lei regente é defeituosa, diante dos princípios constitucionais vigentes, certamente o Regimento Interno do Tribunal competente deverá igualmente estabelecer que o processo oriundo do Conselho de Justificação, em sua segunda fase (a judicial), se inicie mediante representação do autor, pois agora não mais atua a comissão processante, constituída por três militares, mas sim juízes do Tribunal Militar, os quais agirão, diante do pedido de declaração da indignidade ou de incompatibilidade contra o oficial, observando-se a descrição fática da acusação, medida esta que é essencial à provocação do Poder Judiciário castrense para dizer o direito.

Não se deve olvidar que a peça acusatória é essencial à ampla defesa do justificante, logo, como se julgar um processo no Poder Judiciário se a inicial acusatória foi postulada perante a Administração Militar? No mínimo, é de se esperar que se aquela foi procedente, seja ela agora postulada pela parte habilitada perante o Órgão do Poder Judiciário competente.

Portanto, essa situação de minúscula oportunidade processual, de ausência de um processo efetivo com as garantias necessárias para o contraditório e para a ampla defesa, cujo início depende da propositura da ação perante o Judiciário para o processo de tamanha relevância que é a perda do posto e da patente e da perda da vitaliciedade, isso tudo está a ensejar, como se falou, que o resultado do processo oriundo do Conselho de Justificação, quando procedente no sentido de se provocar a indignidade ou incompatibilidade do oficial, sofra a apreciação do Ministério Público para a representação, iniciando aquele processo.

A atuação do Ministério Público como autor do processo especial decorrente do trabalho do Conselho de Justificação não é uma liberalidade, mas um dever e uma formalidade essencial já prevista pela Lei Complementar Federal n. 73/95, em seu artigo 116, inciso II, que diz que compete ao Ministério Público Militar: “promover a declaração de indignidade ou de incompatibilidade para o oficialato.”

A questão deve ser compreendida diante dos termos postos pela Carta Magna, ou seja, que o oficial somente perderá o posto e a patente se julgado indigno ou incompatível com o oficialato (artigo 142, § 3o, incisos VI e VII), logo, se a finalidade das duas hipóteses constitucionais mencionadas é uma só, deixando o Judiciário para decidir sobre a matéria, como admitir processos diferentes, um com autor (aquele que decorre de sentença condenatória definitiva) e outro sem autor (Conselho de Justificação, disciplinado por lei infraconstitucional e sequer previsto no Texto Magno)?

A matéria causa perplexidade! Note-se que no caso de existir condenação definitiva, não se discute a primazia do Parquet para iniciar a respectiva ação constitucional, logo, não se pode admitir que o defeito da lei regente – de não exigir a representação por parte do Ministério Público, nas demais hipóteses - tenha excluído essa mesma prerrogativa do Parquet de iniciar o processo de perda do posto e da patente, nos casos tidos como indignidade ou incompatibilidade.

A dicção da LC federal n. 73/95 já é suficiente para resolver essa matéria, pois atribui ao Ministério Público promover a declaração de indignidade ou de incompatibilidade do oficial, e estas hipóteses estão abrigadas nos dois incisos constitucionais conexos entre si (incisos VI e VII do § 3o do artigo 142), portanto, não há de se distinguir naquilo que a lei não distinguiu. A lei deve ser interpretada conforme a Constituição.

Talvez essa situação distinta, que não se sustenta, seja causada pela confusão do Regimento Interno do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo ao expressar que, no caso de condenação criminal definitiva, o processo de perda do posto e da patente se inicie mediante representação do Parquet, enquanto no caso da conclusão do Conselho de Justificação não expresse isso. Tal confusão também existe no Regimento Interno do Superior Tribunal Militar (47) (que é mais antigo que o vigente no TJM/SP) no tocante a disposição semelhante prevista naquele(48) .

Ora, é sabido que o Judiciário não se move sem provocação, logo, em toda ação deve haver um autor e, no caso da perda do posto e da patente, apenas ao Ministério Público é conferido, por lei, tal mister (artigo 116, inciso II, da Lei Complementar Federal n. 75/93).

Note-se que a vitaliciedade é uma garantia e um valor específico para certas carreiras profissionais (magistrados, integrantes do Ministério Público, do Tribunal de Contas e oficiais das Instituições Militares), logo, é um valor que leva a própria sociedade ao interesse de que seu defensor (o Parquet) fique à frente deste processo para não somente promover a ação judiciária correspondente, mas também ser o fiscal da lei, possibilitando que as duas hipóteses constitucionais para aquela matéria (incisos VI e VII do § 3o do artigo 142 da CF) sejam decididas pelo Poder Judiciário.

Assim, sendo a matéria de perda do posto e da patente nas duas hipóteses previstas no Texto Constitucional matéria de mesmo jaez, uma decorrente de condenação criminal superior a dois anos de pena privativa de liberdade e a outra decorrente de fato que originou o processo administrativo denominado Conselho de Justificação, as quais darão base para o pronunciamento judicial, não tenho dúvida de que as duas hipóteses mencionadas, por se destinarem, sob o mesmo fundamento legal (a declaração da indignidade e da incompatibilidade do oficialato), à mesma finalidade, são matéria jurisdicional e não administrativa, portanto, exigindo em ambas a atuação do Ministério Público como autor daquelas ações constitucionais.

Essa explicitação quanto à atuação do Ministério Público é uma questão ainda não examinada pela doutrina, mas que caracteriza, certamente, um defeito legal da lei regente (Lei Federal n. 5.836/72 e a Estadual Paulista decorrente daquela Lei 186/73), defeito esse que leva o Poder Judiciário, com base nas duas hipóteses constitucionais de indignidade ou de incompatibilidade com o oficialato, a admitir um processo anômalo para ser julgado pelo Tribunal competente (Tribunal de Justiça ou Tribunal de Justiça Militar, nos três Estados que o possuem: SP, MG e RS), ora tendo como autor o Ministério Público (caso da representação com base na condenação criminal definitiva) e ora não tendo nenhum autor (caso decorrente do resultado do Conselho de Justificação), pois apenas o resultado deste é que seria apreciado pelo Tribunal de Justiça Militar.

Nesta segunda hipótese, a Administração Militar é que seria a provocadora do exame do fato pelo Poder Judiciário, sem contar com a ação instaurada pelo Ministério Público, situação essa que não se sustenta à vista do princípio de que o Judiciário somente age por provocação, reconhecido pelo aforismo nemo judex sine actore (não há juiz sem autor) ou ne procedat judex ex officio (o juiz não pode proceder, não pode dar início ao processo, sem a provocação da parte).

Sob o princípio da inércia, ausente a iniciativa para a promoção da declaração de indignidade e de incompatibilidade, ficaria afastada a tese de que o processo que tramita perante o Judiciário, com base no resultado do processo administrativo do Conselho de Justificação, é de natureza administrativa, uma vez que aquela atividade resolutiva decorre exclusivamente de função jurisdicional.

Tal conclusão pode se extrair do ensinamento de Celso Ribeiro Bastos, que diz: “À função jurisdicional cabe este importante papel de fazer valer o ordenamento jurídico, de forma coativa, toda vez em que seu cumprimento não se dê sem resistência. Ao próprio particular (ou até mesmo as pessoas jurídicas de direito público), o Estado subtraiu a faculdade de exercício de seus direitos pelas próprias mãos. O lesado tem de comparecer diante do Poder Judiciário, o qual, tomando conhecimento da controvérsia, se substitui à própria vontade das partes que foram impotentes para se autocomporem. O Estado, através de um de seus Poderes, dita, assim, de forma substitutiva à vontade das próprias partes, qual o direito que estas têm de cumprir. Vale notar, ademais, que a esta declaração do direito aplicável a um caso concreto há que se agregar ainda a definitividade de sua manifestação e a suscetibilidade de esta vir a ser executada coativamente. A lição de Arruda Alvim é lapidar a respeito:

‘Podemos, assim, afirmar que função jurisdicional é aquela realizada pelo Poder Judiciário, tendo em vista aplicar a lei a uma hipótese controvertida mediante processo regular, produzindo, afinal, coisa julgada, com o que substitui, definitivamente, a atividade e vontade das partes. Evidentemente tem-se que distinguir a atividade jurisdicional da administrativa e da legislativa. As duas últimas, especialmente a administrativa, consistem em atuação em conformidade com a lei, mas são nitidamente diversas da atividade jurisdicional, pois esta é atividade secundária ou substitutiva, ao passo que a administrativa é primária’ (“Curso de Direito Processual Civil”, Revista dos Tribunais, v. 1, p. 149).” (49)

Não há dúvida alguma de que a perda do posto e da patente pelas hipóteses decorrentes dos dispositivos constitucionais específicos do § 3o do artigo 142 da CF, que tratam da: indignidade ou incompatibilidade do oficial (inciso VI) e condenação criminal definitiva à pena superior a dois anos, que sujeita o militar àquele julgamento (inciso VII), constituem-se em uma pretensão resistida caracterizadora de uma lide. De um lado, o Estado-Administração promovendo, junto ao Judiciário, a declaração da perda do posto e da patente (quando caracterizar a indignidade ou incompatibilidade do oficial), para obter a demissão do oficial, e do outro lado, o oficial resistindo a essa demanda, para permanecer na Instituição Militar ou para manter o seu status quo.

Essa relação jurídica impõe a existência de um processo de partes, com relação triangular de autor, réu e juiz, logo, inegável que numa daquelas hipóteses mencionadas, o processo perante o Judiciário só se inicie mediante provocação do autor: Ministério Público e/ou concorrentemente a Procuradoria do Estado.

Note-se que o procedimento do Conselho de Justificação, instituído pela lei regente, não foi totalmente recepcionado pela Carta Magna e estaria a determinar, por isso, que o processo de perda do posto e da patente dos oficiais tivesse autor não somente quando ocorre o caso da hipótese do oficial ser condenado definitivamente a uma pena privativa de liberdade superior a dois anos, mas também na hipótese diversa daquela e prevista em lei, de o fato ensejar a indignidade ou a incompatibilidade do oficial (Lei Federal n. 8536/72 e Lei Paulista n. 186/73).

Nesta segunda hipótese, como é a Administração Militar que, num primeiro momento, processa o fato perante o Conselho de Justificação, a conclusão deste, se no sentido de levar o oficial a submeter-se ao processo de perda do posto e da patente perante o Poder Judiciário poderia, a meu ver, ter dois encaminhamentos: o feito iria à apreciação do Ministério Público, que se entendesse procedente o pedido da Administração Militar proporia a representação para a perda do posto e da patente (declaração de indignidade ou de incompatibilidade), caso contrário, devolveria os autos à Administração Militar propondo o arquivamento do feito. Nesta última hipótese, a Administração Militar, insistindo na submissão do oficial a um julgamento ético-disciplinar perante o Poder Judiciário, poderia dispor da Procuradoria do Estado, a qual tem representatividade jurídica para representar o Estado, condição esta exigida no artigo 12, I, do Código de Processo Civil, sobre a perda do posto e da patente junto ao Poder Judiciário, figurando neste último caso o Ministério Público como custos legis.

Concluindo - ante o defeito e a lacuna da lei regente e da necessidade de se ajustar o processo oriundo do Conselho de Justificação ao cânone constitucional do devido processo legal – é de se registrar que aquele processo administrativo seja submetido ao Ministério Público e/ou concorrentemente à Procuradoria do Estado (Advocacia Pública) para a representação instauradora do processo de perda do posto e da patente, medida esta que não depende de lei específica, mas apenas de interpretação, impondo, sob a mesma ótica, a inserção de procedimento próprio, para a processualística do processo de perda do posto e da patente dos Oficiais, no Regimento Interno da Corte competente.

3.1 Da natureza jurídica da decisão que decreta perda do posto e da patente. Quanto à primeira hipótese (a decorrente de condenação criminal definitiva, correspondente ao inciso VI do § 3o do artigo 142 da CF) não há qualquer divergência na doutrina como na jurisprudência de que a matéria é jurisdicional, no entanto, quanto à segunda hipótese (dos fatos decorrentes do Conselho de Justificação) divergem a doutrina(50) e a jurisprudência, esta preponderantemente inclinada no sentido de que a decisão do Tribunal competente decorrente do Conselho de Justificação é matéria administrativa.

A segunda hipótese mencionada (decorrente do Conselho de Justificação) não é uma matéria administrativa pelo simples fato de que a matéria não se insere dentre os atos administrativos do Poder Judiciário (o titular do direito ameaçado não integra o Poder Judiciário, mas sim o Poder Executivo), mas sim é matéria constitucional e que confere ao Poder Judiciário o poder jurisdicional para decidir a matéria, decretando ou não a perda do posto e da patente do oficial da Instituição Militar.

Também não é matéria administrativa porquanto há o trânsito em julgado da matéria, que é decidida em instância única pelo Tribunal competente (Tribunal de Justiça ou Tribunal de Justiça Militar).

A matéria reconhecendo a natureza jurisdicional da decisão do Poder Judiciário no processo de perda do posto e da patente vem abordada com a profundidade merecida pelo Ministro Presidente do Superior Tribunal Militar, José Júlio Pedrosa que afirma: “O Conselho de Justificação é de natureza administrativa, enquanto procedimento que se desenvolve no âmbito da Administração Militar. Nisso não difere do Inquérito Policial Militar. Provavelmente, a causa da confusão é o fato do processo julgado pelo STM levar o mesmo nome do processo administrativo julgado pelos membros do Conselho de Justificação e ratificado pelo Comandante da Força. Na realidade, o STM não julga o Conselho de Justificação, mas sim o ‘processo oriundo do Conselho de Justificação’, como expressamente se refere o art. 14 da Lei n. 5.836/72, ou os ‘feitos originários do Conselho de Justificação’, como estabelece o art. 6o, inciso II, alínea f, da Lei de Organização da Justiça Militar da União (Lei n. 8.457/92). E esse processo não é outro senão o do julgamento do previsto no art. 142, parágrafo 3o, inciso VI, da Constituição. Se não fosse assim, nunca poderia resultar na perda do posto e patente.” (51)

Com precisão incensurável, a lição do Ministro Moreira Alves, da 1a Turma do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário n. 186.116-9, do Espírito Santo, originado de um Conselho de Justificação, que assim se manifestou em seu voto, rejeitando a preliminar alegada pelo Ministério Público, asseverando que o Conselho de Justificação não é um procedimento ‘para-jurisdicional’, ou mais precisamente:

“1. (...) não é procedimento ‘para-jurisdicional’, mas é processo que tem natureza judicial por implicar julgamento, pelo órgão competente do Poder Judiciário e não por órgão da corporação a que o oficial pertence, de indignidade ou de incompatibilidade com relação ao oficialato e que, conseqüentemente, pode acarretar a perda da patente que lhes é assegurada constitucionalmente, caracterizando-se, assim, causa que, quando decidida em única ou última instância, dá margem ao cabimento a recurso extraordinário se ocorrente qualquer das hipóteses das letras ‘a’ a ‘c’ do inciso III do artigo 102 da Constituição. (...)”

Com base em tal aresto, que não distingue assim a decisão decorrente do processo que se origina do Conselho de Justificação da que se origina da representação do Ministério Público - ambos processos voltados para que o ato examinado seja declarado indigno ou incompatível com o oficialato e permita a decretação da perda do posto e da patente do oficial pelo Poder Judiciário -, está a se evidenciar o equívoco que reina nessa matéria junto aos Tribunais Superiores apontados por Jorge César de Assis (52).

Como assevera Assis: “Afirmamos, sem sombra de qualquer dúvida, que a decisão do tribunal competente, em última instância, proferida em sede de Conselho de Justificação não é, conquanto assim o entendam os Tribunais Superiores, administrativa. Ela é uma decisão judicial, proferida em processo de mesma natureza, ainda que com rito específico e sumário, com exercício da ampla defesa e do contraditório e com a participação obrigatória do Ministério Público” (53).

E conclui o renomado autor: “O Conselho de Justificação é um processo administrativo militar, sui generis, que possui uma fase de natureza essencialmente administrativa, que se desenvolve na organização militar e pode (não necessariamente), ter uma segunda fase, agora de natureza essencialmente judicial, quando o tribunal competente irá decidir sobre a declaração de indignidade ou de incompatibilidade para com o oficialato, e a conseqüente perda do posto e patente; ou sobre a reforma forçada (54)”.

Note-se que robustecendo os argumentos de que o Conselho de Justificação, enquanto tramita no Poder Judiciário, é de natureza jurisdicional e que a decisão do Tribunal (Militar ou de Justiça) no Conselho de Justificação, no caso de ser decretada a perda do posto e da patente do Oficial, na hipótese prevista no artigo 142, § 3º, inciso VI, da CF, que ela vincula o ato demissório por parte do Chefe do Poder Executivo (55).

Pontualmente, é de se redizer que a decisão decorrente do processo de Conselho de Justificação pelo Poder Judiciário é judicial e, por isso, caracteriza causa decidida em única instância, preenchendo o requisito expressamente exigido no artigo 102, inciso III, da CF, logo, ensejando a interposição do Recurso Extraordinário, como bem afirmou o Ministro Moreira Alves do STF no aresto trazido à colação.

E para que não passe sem a devida anotação à referida decisão unânime(56) do Supremo Tribunal Federal, da Primeira Turma, registre-se a sua ementa:

“Ementa: Recurso extraordinário.
- Também os oficiais das Polícias Militares só perdem o posto e a patente se forem julgados indignos do oficialato ou com ele incompatíveis por decisão do Tribunal competente em tempo de paz. Esse processo não tem natureza de procedimento ‘para-jurisdicional’, mas, sim, natureza de processo judicial, caracterizando, assim, causa que pode dar margem a interposição de recurso extraordinário.
- Inexistência, no caso, de ofensa ao artigo 5º, LVII, da Constituição.
Recurso extraordinário não conhecido”.

No Estado de São Paulo dois julgados recentes do TJM (57) reconheceram que a natureza jurídica da decisão do Tribunal Militar no Conselho de Justificação, a qual julga a perda do posto e da patente dos Oficiais e a conseqüente cassação da vitaliciedade do seu detentor, é de natureza judicial e não administrativa.

Nesse sentido, o Voto Vencedor do Juiz de Direito, Dr. Roth, no Acórdão do Processo de Indignidade n. 005/00, in verbis:

“Assim, inicialmente cabe aqui se desfazer o grande equívoco reinante na apreciação desta matéria, em se confundir o meio que origina e provoca a Ação do Judiciário (o Judiciário não age de ofício: “nemo judex sine actore”) – se o fato for administrativo ou criminal, cuja pena seja inferior a dois anos de pena privativa de liberdade (Conselho de Justificação), ou se o fato decorra de condenação criminal superior a dois anos de pena privativa de liberdade (a representação do Ministério Público) – com a decisão, em ambas as hipóteses, taxando o ato ou não de indignidade para o Oficialato ou de incompatibilidade com o Oficialato, com a conseqüente perda do posto e da patente dos Oficiais, se uma daquelas situações for reconhecida pelo Judiciário. (58)

Em ambas as hipóteses de perda da vitaliciedade, o que ocorre realmente é um único processo especial de indignidade ou de incompatibilidade, logo, ambas as situações geradoras daquele processo convergem, como se falou, para um único processo especial de perda do posto e da patente, porque tramitam perante o Poder Judiciário, que é formal e materialmente jurisdicional...”

“Na verdade não é onde se inicia o processo que se determina a natureza do processo, pois, como no caso do Conselho de Justificação, nos termos da Lei 5.836/72, apesar dele se iniciar no quartel, se procedente a acusação contra o justificante, este será julgado perante o Poder Judiciário, portanto, de natureza judicialiforme, cuja decisão será inequivocamente judicial, como não deixam dúvidas as normas do artigo 142, § 3º, incisos VI e VII, da Constituição Federal...”

“Em ambas as hipóteses, é necessário reconhecer, em harmonia com o Texto Constitucional, que a decisão sobre a perda do posto e da patente dos Oficiais é judicial, porque formal e materialmente jurisdicional, como assim já decidiu o STF, no Recurso Extraordinário nº 186.116-9 – ES – 1ª T. – Rel. Moreira Alves”...

“Portanto, a mudança do Regimento dos Tribunais, e, em especial, o desta Corte (art. 126), seria suficiente para se acabar com os equívocos que ainda persistem nessa matéria e que já foram muito bem apontados por José Júlio Pedrosa(59) e Jorge de Assis(60) , doutrinadores estes que - com autoridade e domínio da matéria, somados a outros nobres doutrinadores -, com seus estudos, estão a bem lastrear essa necessária correção histórica, caso contrário, teríamos, sem respaldo no ordenamento jurídico, a quebra da independência dos Poderes (art. 2o da CF), admitindo-se que, como sói acontecer, o Conselho de Justificação – do início (fase apuratória no quartel) até a decisão final (alegações das partes e julgamento pelo Poder Judiciário) é um processo genuinamente administrativo, portanto, de decisão irrecorrível.

In casu, sendo idênticos os fatos apurados pelo Conselho de Justificação e pelo presente Processo de indignidade com o Oficialato, por uma questão de lógica, é de se concluir que a indignidade para o Oficialato ou incompatibilidade com o Oficialato examinada num processo é idêntica à indignidade ou incompatibilidade com o Oficialato examinada noutro processo.

E repita-se, a decisão sobre a indignidade ou incompatibilidade, que é prerrogativa do Poder Judiciário, não pode ser considerada administrativa num caso e noutro judicial, como se demonstrou, ainda mais quando os fatos são os mesmos, como nestes autos...”

“Por uma questão jurídica inafastável, não se pode reconhecer o Conselho de Justificação como processo administrativo, exclusivamente, como comumente sói acontecer, pois haveria verdadeira quebra entre a independência dos Poderes(61) , permitindo ao Poder Judiciário (Justiça Castrense) – se o processo fosse eminentemente administrativo - julgar, por questão administrativo-disciplinar e ética, integrante do Poder Executivo. Ora, isso seria verdadeira interveniência do Poder Judiciário junto ao Poder Executivo, não amparada pela Carta Magna, ferindo assim a regra do artigo 2o da Constituição Federal, ou, como poderia se concluir, submissão do Poder Executivo ao Poder Judiciário para a conveniência de se decretar a demissão de um Oficial das Instituições Militares.

Para a sobrevivência da Lei Federal n. 5.836/72, ante a Carta Magna, é de se reconhecer que o processo do Conselho de Justificação não é administrativo, mas sim judicialiforme - mantendo-se independente a fase administrativa (do quartel) da fase judicial (perante o Tribunal competente), ou de outra forma, como disse José Júlio Pedrosa, é administrativo enquanto tramita na Administração Militar, equivalendo ao IPM, e é judicial enquanto tramita perante a Justiça Militar, estadeando uma decisão inequivocadamente judicial, porque é fruto de julgamento pelo Poder Judiciário de matéria submetida a litígio...”

“Somando-se a essa precisa abordagem sobre o Conselho de Justificação, podemos citar eminentes juristas pátrios como Jorge César de Assis, Carlos Frederico de Oliveira, Maria Terezinha Cauduro da Silva, Paulo Tadeu Rodrigues Rosa e nossa posição...”

“Não será por outra razão que o constituinte dispôs que na ocorrência do inciso VII (condenação criminal superior a dois anos), o Oficial se submeterá ao julgamento do inciso VI (que declara a indignidade para o Oficialato ou a incompatibilidade com o Oficialato) – do § 3º do artigo 142 da Lei Maior – sequer sem mencionar qualquer procedimento administrativo (o Conselho de Justificação)...”

Roborando este último aresto, com propriedade e precisão na matéria, em caso que um ex-Oficial PM ajuizou ação de reintegração (Ação Ordinária Cível n. 007/05), requerendo a decretação da nulidade absoluta do Conselho de Justificação, pela não interferência do Ministério Público em seu trâmite, isso devido ao fato de ter perdido o posto e a patente, por efeito de decisão do TJM/SP, o Relator, Juiz Dr. Paulo Prazak, monocraticamente, decidiu, in verbis:

“Impõe-se o reconhecimento da carência da ação, diante da inadequação da via eleita. O autor, nos termos da Lei nº 5.836, de 05 de dezembro de 1972, foi considerado indigno do oficialato por decisão proferida pelo E. Tribunal de Justiça Militar nos autos de Conselho de Justificação, tendo sido decretada a cassação de seu posto e patente (fls. 25). Tal decisão não é de natureza meramente administrativa, mas sim judicial, consoante o disposto no artigo 138, § 4º da Constituição do Estado de São Paulo. Seguindo este raciocínio, inviável a via eleita para eventual discussão acerca de nulidade do decisum no referido Conselho, sob qualquer fundamento, até porque já transitado em julgado, após a devida análise de mérito. Descabido, portanto, dar continuidade à relação processual em torno da pretensão do autor, tendo em vista a tentativa de desconstituição da coisa julgada material (descrita no art. 467, do CPC) – o que, por sua inviabilidade, resulta na impossibilidade jurídica do pedido imediato. Ante o exposto, JULGO EXTINTO o processo, SEM exame de mérito, nos termos do artigo 267, inciso VI do Código de Processo Civil...”

A garantia do posto e da patente é tradicional na história constitucional de nosso país e a sua perda ou cassação sempre foi matéria de competência da Justiça Militar.

Logo, não temos dúvida em afirmar que a atuação do Ministério Público nesse tipo de processo especial é fundamental(62;63) - , nas duas hipóteses previstas constitucionalmente (incisos VI e VII do § 3o do artigo 142 da CF)(64) , não somente como aquele que vai provocar, mediante representação de indignidade ou de incompatibilidade com o oficialato, o Órgão de Segunda Instância da Justiça Militar (Tribunal de Justiça ou Tribunal de Justiça Militar), mas também porque atuará como custos legis, sob pena de nulidade.

E reconhecendo-se a necessidade do Ministério Público ofertar a representação para declaração de indignidade e/ou incompatibilidade com o oficialato no Conselho de Justificação, registre-se o trecho do Voto Vencedor do Juiz de Direito, Dr. Roth, no Acórdão do Processo de Indignidade para o Oficialato n. 005/00 – Rel. Costa Ramos, do TJM/SP, in verbis:

“(...)

Nem se diga que a adequação dos Regimentos dos Tribunais estaria inovando, pois essa medida estaria, como se falou, em harmonia com a ciência do Direito e ajustado à própria dicção dos incisos constitucionais mencionados (artigo 142, § 3o, incisos VI e VII), bem como a explícita Lei Complementar Federal n. 75 que, em seu artigo 116, II, assim dispõe:

Art. 116. Compete ao Ministério Público Militar o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça Militar:

“I - ...................... omissis......

II – promover a declaração de indignidade ou de incompatibilidade para o oficialato”.

Como se vê, cabe ao Ministério Público provocar a declaração do Tribunal sobre a indignidade ou a incompatibilidade para o oficialato, logo, se estas duas condições dão causa à decretação da perda do posto e da patente, de exclusiva competência dos Tribunais, nos termos do artigo 142, § 3o, incisos VI e VII, da Constituição Federal, não se pode – apenas por equivocada interpretação – distinguir que os fatos apurados no quartel, mediante o Conselho de Justificação (Lei Federal n. 5.836/72), sejam distintos do fato que gerou a condenação criminal com pena superior a dois anos de pena privativa de liberdade, pois, conclusivamente, tanto numa como noutra o que se busca é a declaração de indignidade ou de incompatibilidade com o oficialato, que ocasione a perda de posto e de patente dos oficiais, cessando-lhes a vitaliciedade, nos termos da Lei Maior”.

3.2 Da perda da graduação. Também como competência do Órgão de Segundo Grau estadual da Justiça Militar não deve passar despercebido que a garantia da perda da graduação das praças militares não foi estendida aos militares das Forças Armadas.

Essa garantia não caracteriza a vitaliciedade da praça, mas apenas uma estabilidade especial, ensejando, em ocorrendo a condenação criminal com pena superior a dois anos de pena privativa de liberdade, que o Ministério Público venha a promover o competente processo para a perda da graduação perante o Poder Judiciário, à semelhança do que ocorre com a perda do posto e da patente dos oficiais.

Assim, se ocorrer um fato diverso da condenação criminal, como qualquer fato que caracterize a indignidade ou incompatibilidade da praça na Instituição Militar, nada impede que o correspondente Comandante-Geral promova o processo disciplinar correspondente para a exclusão do militar (demissão ou expulsão), situação essa que vem hoje disciplinada na Súmula 673 do Supremo Tribunal Federal (“O art. 125, § 4o, da Constituição, não impede a perda da graduação de militar mediante procedimento administrativo”).

Registre-se que a natureza jurídica do processo de perda da graduação das praças, assim como ocorre com o processo de perda do posto e da patente dos oficiais, é jurisdicional, portanto, comporta o Recurso Especial e o Recurso Extraordinário.

Logo, a diferença entre a perda do posto e da patente dos oficiais e da perda da graduação das praças é que esta é um minus em relação àquela que está voltada para a vitaliciedade dos oficiais, enquanto a perda da graduação se refere apenas à questão da condenação criminal.

4.0 Das Conclusões.

A Reforma da Justiça Militar estadual marcou-se pela ampliação e o fortalecimento desse ramo especializado do Poder Judiciário, demonstrando o constituinte derivado o reconhecimento pela importância da Justiça mais antiga do Brasil e que cuida das questões atinentes às Instituições Militares.

Numa inversão histórica, a Justiça Militar estadual, com a presente Reforma, foi dimensionada em primeiro lugar, estando a Justiça Militar da União no aguardo de obter aquele mesmo dimensionamento de competência, tendo em vista o processo de Emenda Constitucional hoje ao exame da Câmara dos Deputados para votação das alterações ocorridas no Senado da República.

As inovações para a Justiça Militar estadual constituem-se, de maneira resumida: a) no fato da instituição do juiz de direito como órgão da Primeira Instância ao lado do Conselho de Justiça, havendo, em conseqüência disso, uma divisão de competência entre aqueles dois órgãos: o primeiro devendo conhecer e julgar os crimes militares contra vítima civil e o segundo devendo conhecer e julgar os demais crimes militares; b) no fato de ser instituída a competência civil para o processo e o julgamento das ações civis contra atos disciplinares – ao lado da competência histórica criminal ao juízo castrense; c) e no fato de instituir que a presidência do Conselho de Justiça seja privativa do juiz de direito e não mais do juiz militar de maior patente como ocorria anteriormente por disciplina da legislação infraconstitucional.

Questão relevante também na referida Reforma da Justiça Militar foi o tratamento dispensado pelo constituinte derivado aos crimes militares praticados contra civil, de um lado excluindo totalmente a competência da Justiça Castrense nos casos de crimes da competência do Júri Popular e nos demais casos reservando o processo e o julgamento do fato perante o juiz de direito e não mais perante o Conselho de Justiça.

Quanto à exclusão da competência da Justiça Militar para conhecer dos crimes dolosos contra a vida, tal inovação pacificou essa competência já estatuída no capítulo dos direitos e garantias fundamentais (art. 5o, inciso XXXVIII, d), constitucionalizando a regra anteriormente instituída pela Lei 9.299/96 e que alterou o Código Penal Militar e o Código de Processo Penal Militar.

No que tange aos crimes militares praticados contra vítima civil, é de se reconhecer que nos casos de simultaneus processus onde ocorram crimes de competência do juiz de direito e também do Conselho de Justiça, por razões de coerência e de economia processual, nenhum problema haverá em ser a instrução criminal do fato realizada perante o Conselho de Justiça, uma vez que ela é conduzida e presidida pelo juiz de direito, ficando exclusivo o julgamento daqueles crimes, conforme a novel diretriz constitucional, ao juiz de direito.

Em virtude de estar reservado ao juiz de direito julgar os crimes militares contra civil, não prevalecem as regras de modificação ou prorrogação de competência no juízo castrense, previstas no Código de Processo Penal Militar.

Ainda quando a vítima for civil, mas o crime for praticado contra a Administração Militar, como são os casos do peculato, da concussão, da corrupção passiva etc, a competência para o processo e o julgamento será do Conselho de Justiça, pois o fato de existir eventualmente vítima civil, como sujeito passivo secundário, não retira a primazia do bem jurídico tutelado e identificado pelo sujeito passivo primário.

Com relação às ações civis contra os atos disciplinares, bem acertada essa medida, retirando a competência que era das Varas da Fazenda Pública e agora passando-a para o Juízo Castrense, pois a disciplina administrativa e a penal possuem diferenças de graus, sendo que enquanto a primeira é tutelada pelo Regulamento Disciplinar das Instituições Militares, a segunda é tutelada pelo Código Penal Militar, logo, a discussão dessas questões, agora concentradas na Justiça Militar, permitirão ao juiz de direito da Justiça Militar, já afeito às peculiaridades da legislação militar, decidir a matéria, tornando o Juízo Castrense agora especializado também neste tipo de ação civil.

As inovações constitucionais levarão os juízes do foro militar a cuidar de matéria criminal relativa aos crimes militares e de matéria civil específica às ações contra atos disciplinares, portanto, ensejando o manuseio e o domínio da legislação própria: o Código Penal Militar, o Código de Processo Penal Militar (na matéria penal); e o Código de Processo Civil e da legislação administrativa militar (na matéria civil).

Ante a ausência de lei processual para padronização de procedimentos decorrentes das inovações constitucionais, é de se concluir que não deverá ocorrer mudança de procedimento processual, mas apenas adaptação dos novos institutos da Reforma do Judiciário, no que couber, à legislação processual militar vigente, como é o caso da presidência do Conselho de Justiça pelo juiz de direito e dos processos de competência do juiz singular, no que tange ao julgamento dos casos que lhe são inerentes conhecer.

No que tange ao processo de perda do posto e da patente do oficial das Instituições Militares, competência esta mantida no Texto Reformado, há necessidade de se reconhecer a existência de um único processo para aquele fim, dentre as hipóteses previstas nos incisos VI e VII do § 3o do artigo 142 da CF, ensejador da declaração de indignidade ou de incompatibilidade do oficial, terminando-se com a confusão gerada pela previsão do Regimento Interno de alguns Tribunais em distinguir as hipóteses constitucionais daquelas decorrentes de lei infraconstitucional e que disciplinam o processo de competência do Conselho de Justificação (Lei Federal n. 5.836/72).

Desse modo, no referido processo de perda do posto e da patente do oficial, é também de se reconhecer que o Ministério Público deve ser o autor da promoção da declaração de indignidade ou de incompatibilidade do oficial, nos termos do artigo 116, II, da Lei Complementar Federal n. 75/93, nas duas hipóteses previstas nos dispositivos constitucionais mencionados (incisos VI e VII do § 3o do artigo 142) e não somente nos casos que decorrem de condenação criminal transitada em julgado.

Existe o interesse do Ministério Público, nas duas hipóteses mencionadas, incluindo os processos decorrentes do Conselho de Justificação, tendo em vista a matéria cuidar da perda da vitaliciedade do oficial da Instituição Militar, valor este que se inclui dentre aqueles valores de interesse público.

É de se reconhecer concorrentemente à atribuição do Ministério Público, o interesse da Procuradoria do Estado (Advocacia Pública) de promover, no caso concreto, em nome do Estado, a perda do posto e da patente do oficial da Instituição Militar.

Com isso, é de se rejeitar a tramitação de processo judicialiforme oriundo do Conselho de Justificação, para o fim de determinar a perda do posto e da patente do oficial, junto ao Poder Judiciário, o que constitui verdadeira ação sem autor, inadmissível em nosso ordenamento jurídico atual. O Estado-Administração deve se fazer presente, como se falou, naquele processo especial, mediante a iniciativa do Ministério Público ou, concorrentemente, da Procuradoria do Estado.

Em conseqüência, é de se esperar dos Tribunais a correção e/ou inclusão dos seus Regimentos Internos nessa matéria (perda do posto e da patente dos oficiais), ajustando-os à necessidade de dar um único tratamento às hipóteses constitucionais mencionadas e incluindo nestas o processo decorrente do Conselho de Justificação (Lei Federal 5.836/72), prevendo inclusive o devido processo legal para o julgamento decorrente das hipóteses constitucionais decorrentes dos incisos VI e VI do § 3o do artigo 142, ante a ausência de lei naquele sentido.

Tais mudanças ao processo de perda do posto e da patente, englobando as hipóteses decorrentes do Conselho de Justificação, são necessárias, pois ambas as hipóteses constitucionais do artigo 142, § 3o (incisos VI e VII) objetivam o reconhecimento da indignidade ou incompatibilidade com o oficialato, logo, cabível aos operadores do Direito o enfrentamento dessa questão, reconhecendo-se que a Lei Federal n. 5.836/72 e as Leis estaduais à sua semelhança, no que tange ao procedimento perante o Poder Judiciário, não foram recepcionadas pela Constituição Federal de 1988.

De se concluir, ainda, que a natureza jurídica do processo de perda do posto e da patente dos oficiais das Instituições Militares, nas duas hipóteses constitucionais mencionadas, é de um processo jurisdicional, pois um processo de partes (autor: Ministério Público; e réu: o oficial contra o qual se move a referida declaração de indignidade ou incompatibilidade) que se processa e julga exclusivamente perante o Poder Judiciário e cuja decisão transita em julgado, ensejando, por ser de instância única, os Recursos Especial e Extraordinário, quando cabíveis.

A Reforma do Judiciário que tramitou no Congresso Nacional pelo longo tempo de quase doze anos e que ora trouxe as inovações no Texto Reformado, deverão ensejar nos operadores do Direito – Juízes, Ministério Público e Advogados - uma reforma também de posicionamento, ao contrário da morosidade parlamentar mencionada, reforma esta que não depende de mudança da Constituição e nem mesmo da lei, mas sim, de boa vontade e de interpretação para tornar mais precisos, dignos e eficientes os dispositivos legais em vigor, à altura do status que merece a matéria de competência da Justiça Castrense.



NOTAS:

1 Dispõe o parágrafo 3o do artigo 144 da CF: “As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.”
2 Gilberto Valente Martins, “A necessidade de reforma organizacional da Justiça Militar”, in Revista “Direito Militar”, n. 2, 1966, págs. 39/43.
3 Ronaldo João Roth, “Justiça Militar e as peculiaridades do juiz militar na atuação jurisdicional”, São Paulo, Juarez de Oliveira, 2003, pág. 72.
4 Referido Evento teve como publicação a obra da Escola Superior do Ministério Público, titulada: “Direito Penal Militar e Processual Penal Militar”, Imprensa Oficial do Estado, 2004, sendo registrado na apresentação (págs. 7/8) da obra de autoria do Diretor da ESMP, Dr. Luiz Daniel Pereira Cintra, e na introdução (págs. 9/10) da obra de autoria do Dr. Edgard Moreira da Silva, a grandeza do Evento.
5 Celso Carlos de Camargo ett ali “Direito Penal Militar e Processual Penal Militar”, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004, pág. 7.
6 José Geraldo Brito Filomeno, “Discurso proferido na solenidade de posse do presidente, vice-presidente e do corregedor-geral da Justiça Militar do Estado de São Paulo, em 20.3.2002, publicado no DOE/P.Jud., de 11.4.2002, p. 155/157, apud Ronaldo João Roth, in Op. cit. pág. 88.
7 Trecho do discurso proferido pelo Presidente da OAB – Secção São Paulo, Carlos Miguel Castex Aidar, na Justiça Militar do Estado de São Paulo, em 20.3.2002, publicado no DOE/P.Jud., de 11.4.2002, p. 155/157, apud Ronaldo João Roth, in Op. cit. pág. 89.
8 Pronunciamento do Presidente do STF, Min. Carlos Velloso, in Revista Direito Militar, AMAJME, 1999, n. 15, p. 3/5. Apud Ronaldo João Roth, in Op. cit. págs. 86/87
9 José Cretella Júnior, “Comentários á Constituição Brasileira de 1988, 1993, vol. VI, p. 3008.
10 Ronaldo João Roth, “Justiça Militar e as peculiaridades do juiz militar na atuação jurisdicional”, Juarez de Oliveira, São Paulo, 2003, págs. 11/12.
11 Apud Ronaldo João Roth, Op. cit. pág. 91.
12 Alexandre Henriques da Costa et alli, “Direito Administrativo Disciplinar Militar”, Suprema Cultura, São Paulo, 2004, pág. 153.
13 Alexandre Henriques da Costa et alli, Op., cit., pág. 10.
14 Alexandre Henriques da Costa et alli, Op., cit., pág. 11.
15 José Armando da Costa, “Controle Judicial do Ato Disciplinar”, Brasília Jurídica, 2002, págs. 72/73
16 José Armando da Costa, Op. cit., págs. 73/74
17 José Cretella Jr. Op., cit., pág. 2442.
18 Como afirma Ronaldo João Roth, “O momento enseja alguma reflexão sobre a Disciplina Militar, valor este que, precipuamente, ao lado da Hierarquia, constitui a estrutura basilar das Instituições Militares. Toda a Administração Pública exige de seus órgãos administrativos a hierarquia e a disciplina; todavia, a hierarquia e a disciplina militares são especiais e qualificadas em relação àqueles mesmos valores na comunidade civil, pois enquanto o desrespeito destes constitui mera irregularidade, no âmbito castrense o fato configura ao menos uma transgressão disciplinar, senão o próprio crime militar, portanto, objeto de perscrutação administrativa ou criminal. Nesse sentido, é de se notar que a disciplina militar tutelada pelo Regulamento Disciplinar (transgressão disciplinar) é a mesma tutelada pelo Código Penal Militar (delito), variando apenas a substância de sua punição, cujo grau de violação do faltoso irá fazê-lo responder e ser punido unicamente perante a Administração Militar ou concorrentemente perante aquela e a Justiça Militar”, in trecho do prefácio da obra “Direito Administrativo Disciplinar Militar”, Alexandre Henriques da Costa ett ali, Suprema Cultura, São Paulo, 2004, pág. 10.
19 José Armando da Costa, “Controle judicial do ato disciplinar”, Brasília Jurídica, 2002, pág. 258.
20 Nesse sentido, o posicionamento da doutrina sobre a inconstitucionalidade da lei 9.299/96, por Jorge César de Assis, in “Comentários ao Código Penal Militar, Parte Geral, Juruá, 2001, p. 277/300; Célio Lobão, in “Direito Penal Militar”, Brasília Jurídica, 1999, págs. 111/112; e Márcio Luis Chila Freyesleben, in “A prisão provisória no CPPM”, Del Rey, 1997, págs. 225/233.
21 Ronaldo João Roth, in “Justiça Militar e as peculiaridades do juiz militar na atuação jurisdicional”, São Paulo, Juarez de Oliveira, 2003, págs. 101/119.
22 Viviane de Freitas Pereira, “Concretizações judiciais realizadas pelos Conselhos de Justiça da Justiça Militar: alguns aspectos hermenêuticos”, in “Direito – História e Doutrina – Artigos Inéditos”, Getúlio Correa et alli, AMAJME-SC, 2002, págs. 178/179.
23 E. Magalhães Noronha, “Direito Penal”, Vol. 4, Saraiva, 1986, pág. 194.
24 E. Magalhães Noronha, Op. cit. pág. 195.
25 E. Magalhães Noronha, Op. cit. pág. 210.
26 E. Magalhães Noronha, Op. cit. págs. 234/235.
27 E. Magalhães Noronha, Op. cit. pág. 244.
28 Célio Lobão, “Reforma do Judiciário: A competência da Justiça Militar”, Revista “Direito Militar” n. 50, 2004, AMAJME, Santa Catarina, pág. 11.
29 Damásio E. de Jesus, Direito Penal, Parte Geral, Vol. 1, Saraiva, 1985, pág. 153.
30 Damásio E. de Jesus, Op. cit. pág. 154.
31 Damásio E. de Jesus, Op. cit., pág. 154.
32 Maurício Antonio Ribeiro Lopes, “Princípio da insignificância no Direito Penal”, RT, 1997, pág. 125.
33 Celso Ribeiro Bastos, “Hermenêutica e Interpretação Constitucional”, Celso Bastos, São Paulo, 2002, págs. 39/40.
34 Celso Ribeiro Bastos, Op. cit. pág. 167.
35 Processos nº 34.811/03, 30.219/01, 34.726/03, 24.756/99 e 32.253/02
36 Apelação Criminal n. 5.406/05, Rel. Juiz Evanir Ferreira Castilho; Apelação Criminal n. 5.411/05, Rel. Juiz Evanir Ferreira Castilho; Apelação Criminal n. 5.420/05, Rel. Juiz Fernando Pereira; e Correição Parcial n. 150/05, Rel. Juiz Cel PM Fernando Pereira.
37 Célio Lobão, Op. cit. págs. 8/9.
38 Ronaldo João Roth, “Temas de Direito Militar”, Suprema Cultura, São Paulo, 2004, págs. 23/30.
39 José Cretella Jr., “Comentários à Constituição de 1988”, Forense Universitária, Vol. V, 1991, pág. 2.464.
40 Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, in “Perda do Posto e da Patente dos Oficiais e da Graduação das Praças”, Revista “Direito Militar”, AMAJME, 2004, n. 49, pág. 18.
41 José Cretella Jr., Op. cit. pág. 2463.
42 O Regimento Interno do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo assim estabelece nessa matéria: “Da declaração da Perda do Posto e da Patente de Oficiais e da Graduação de Praças. Das Disposições Gerais. Art. 126 A declaração de indignidade ou incompatibilidade com o oficialato, e a conseqüente perda do posto e patente, e, a perda de graduação das praças, nos casos previstos em lei, será proferida pelo Tribunal: I – mediante representação do Ministério Público; II – no julgamento de processo oriundo de Conselho de Justificação, de que trata a Seção III, deste Capítulo.”
43 José Julio Pedrosa, “A Perda do Posto e da Patente dos Oficiais das Forças Armadas”, in “Direito Militar – História e Doutrina – Artigos Inéditos”, Getúlio Corrêa, et alli, AMAJME, SC, 2002, pág. 97.
44 Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, “Curso de Direito Constitucional”, Saraiva, 2003, págs. 148/149.
45 Ronaldo João Roth, “A prescrição, os recursos e a atuação do Ministério Público no Conselho de Justificação”, Suprema Cultura, São Paulo, 2004, pág. 43.
46 Ronaldo João Roth, Op. cit. págs. 41/42.
47 Diz o Regimento Interno do Superior Tribunal Militar, em seu artigo 112: “Transitada em julgado a sentença da Justiça comum ou militar que haja condenado o Oficial das Forças Armadas à pena privativa de liberdade superior a dois anos, o Procurador-Geral da Justiça Militar formulará Representação para que o Tribunal julgue se o representado é indigno ou incompatível para com o oficialato”.
48 José Julio Pedrosa, “A Perda do Posto e da Patente dos Oficiais das Forças Armadas”, in “Direito Militar – História e Doutrina – Artigos Inéditos”, Getúlio Corrêa et alli AMAJME, SC, 2002, pág. 97.
49 Celso Ribeiro Bastos, “Curso de Direito Constitucional”, Saraiva, 1992, págs. 315/316.
50 A doutrina especializada é unânime em apontar que a decisão do Poder Judiciário, decretando a perda do posto e da patente que decorre das hipóteses instauradoras do Conselho de Justificação, é de natureza jurisdicional. Assim, citem-se: No sentido de que as duas decisões são jurisdicionais e judiciais, portanto, cabível o Recurso Extraordinário e Especial e os Embargos, se manifestam: Jorge César de Assis, in “A Declaração de indignidade e de incompatibilidade para o oficialato e a conseqüente declaração de perda do posto e da patente”, in “Revista Direito Militar”, AMAJME, n. 11, págs. 33/34; José Júlio Pedrosa, in “A perda do posto e patente dos Oficiais das Forças Armadas”, publicado no livro “Direito Militar, História e Doutrina, Artigos Inéditos”, AMAJME, 2002, págs. 97/98; Ronaldo João Roth, in “Temas de Direito Militar, Suprema Cultura, 2004, pág. 43 e na Revista “Direito Militar”, 2003, n. 42, pág. 18; Carlos Frederico de Oliveira Pereira, in “A perda do posto e da patente dos oficiais e perda da graduação das praças policiais militares”, publicado na Revista “Direito Militar”, AMAJME, 2003, n. 43, pág. 7; Marisa Terezinha Cauduro da Silva, in “A perda do posto e da patente dos Oficiais das Forças Armadas do Brasil”, publicada na Revista “Direito Militar”, AMAJME, n. 44, págs. 28/29; Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, in “Direito Administrativo Militar, Lumen Juris, 2003, pág. 126; e Jorge César de Assis, in “Considerações sobre o processo especial militar do Conselho de Justificação e os equívocos dos Tribunais Superiores quanto à sua natureza”, RT n. 826/446-465.
51 José Julio Pedrosa, “A Perda do Posto e da Patente dos Oficiais das Forças Armadas”, in “Direito Militar – História e Doutrina – Artigos Inéditos”, Getúlio Corrêa et alli, AMAJME, SC, 2002, pág. 97.
52 Jorge César de Assis, RT 826/446-465, 2004.
53 Jorge César de Assis, Ob. cit. Pág. 449.
54 Jorge César de Assis, Ob. cit. Pág. 465.
55 A perda do posto e da patente implica na demissão “ex-officio” do oficial tão logo o acórdão sobre aquela decisão seja enviado pelo Poder Judiciário ao Chefe do Executivo, como dispõe expressamente nesse sentido o § 2º do artigo 16 da Lei Federal n. 5.836, de 05.12.1972, conforme, igualmente, afirmou Ronaldo João Roth, na Palestra “Perda do posto e da patente dos oficiais e a perda da graduação das praças – procedimentos legais”, registrada nos Anais do I Encontro Nordeste da Justiça Militar, Justiça Militar do Estado de Alagoas, 2004, pág. 77.
56 Recurso extraordinário n. 186.116-9 Espírito Santo – Primeira Turma do STF, relator Ministro Moreira Alves, julgamento 25.08.1998, publicado no D. J. 03.09.1999, Ementário n. 1961-3.
57 O Voto Vencedor do Juiz de Direito, Ronaldo João Roth, proferido no cordão do Processo de Indignidade para o oficialato n. 005/00 – Rel. Juiz Cel PM Costa Ramos, publicado no D. O. P. Jud., de 23.03.06, pág. 152; e a Decisão monocrática do Juiz Dr. Paulo Prazak, na Apelação da Ação Ordinária Cível n. 007/05, publicada no D.O. P. Jud., de 23.03.06.
58 Ronaldo João Roth, “A perda do posto e da patente dos Oficiais e a perda da graduação das praças e os seus procedimentos”, palestra publicada nos“Anais do I Encontro Nordeste da Justiça Militar Estadual, Alagoas, 2004, págs. 78 e 103/104.
59 José Júlio Pedrosa, “A perda do posto e patente dos Oficiais das Forças Armadas”, publicado no Livro “Direito Militar – História e Artigos Inéditos”, da AMAJME, 2002, págs. 87/98.
60 Jorge César de Assis, “Considerações sobre o processo especial militar do Conselho de Justificação e os equívocos dos Tribunais Superiores quanto à sua natureza”, RT n. 826/446-465.
61 Ronaldo João Roth, “A perda do posto e da patente dos Oficiais e a perda da graduação das praças e os seus procedimentos”, palestra publicada nos “Anais do I Encontro Nordeste da Justiça Militar Estadual”, Alagoas, 2004, págs. 79 e 82
62 Ronaldo João Roth, “Temas de Direito Militar”, Suprema Cultura, São Paulo, 2004, pág. 42.
63 Jorge César de Assis , Op. cit. págs. 462/465.
64 Dizem os referidos incisos do § 3o do artigo 142 da CF: inciso VI “o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra” e VII “o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso anterior”.

(*) Artigo publicado na Revista dos Tribunais, volume 853, 2006, págs. 442/483.

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